O principal objetivo da inquirição do advogado são-tomense N’Gunu Tiny no julgamento do caso Fizz era perceber se a Primagest, sociedade que contratou o antigo procurador Orlando Figueira, estava na órbita da Sonangol – como defende o MP –, ou do Banco Privado Atlântico, como dizem os arguidos. Porém, a testemunha pouco adiantou sobre o assunto.
N’Gunu Tiny admitiu ter representado a Primagest no processo de venda da empresa de engenharia Coba à Primagest, assegurando, no entanto, não saber quem eram os detentores desta. Isto, justificou, porque a sua intervenção aconteceu num ato em concreto e enquanto advogado do Banco Privado Atlântico, que terá tratado da procuração para que representasse a sociedade pontualmente.
O negócio da Coba surge no caso Fizz – processo em que Figueira é suspeito de ter recebido luvas do ex-vice-presidente de Angola para arquivar inquéritos – por ter sido importante para que os investigadores concluíssem que a Primagest estava ligada à Sonangol, de que à data era presidente Manuel Vicente.
Quando parte da empresa de engenharia portuguesa foi vendida às sociedades Primagest e Berkeley, houve diversas trocas de emails, alguns dos quais enviados pelo advogado são-tomense, que davam conta de que a Primagest estava na órbita da petrolífera estatal angolana.
Mas não é isso que defendem os arguidos, nomeadamente Orlando Figueira, que diz ter sido convidado por Carlos Silva para sair do DCIAP, assinando mais tarde com a Primagest um contrato de trabalho – através do qual recebeu as quantias avultadas que para o Ministério Público não passam de luvas (760 mil euros).
Disponível para pedir levantamento de sigilo N’Gunu Tiny não respondeu a diversas perguntas invocando o sigilo profissional, mas deixou claro estar disponível para pedir o levantamento do mesmo. Até lá, a testemunha disse, por exemplo, não poder responder se a informação que deu por email aos vendedores, de que a Sonangol estava por trás da Primagest, era ou não verdadeira.
“Estamos a falar de 2011 e 2012, numa altura em que não havia tanta gente interessada em investir em Portugal. E foi no âmbito da estratégia negocial que foi referida a Sonangol como ligada à Primagest”, disse, sem adiantar se tal corresponde ou não à verdade.
Mas rematou que, quem comprou, sabia da verdade: “As partes sabiam quem estava a vender e a comprar. Quando foi efetuado o negócio, o meu entendimento é o de que era claro para as partes quem é que estava a fazer negócio”.
N’Gunu Tiny tentou ainda explicar que o nome Sonangol era importante em qualquer negócio, porque dava força. “Se houver um investimento internacional eu gostava que a Sonangol participasse. Para aquilo que é a minha prática em Angola ou em países de economia social de mercado, com forte intervenção do Estado, quem empresta dinheiro precisa de ter garantia. E, em Angola, a melhor garantia que se podia dar era a da Sonangol”, continuou.
Perante o coletivo, disse que a sua intervenção nas negociações durou menos de um ano e que ficou sempre com a sensação de que o interesse dos investidores angolanos era o currículo que a empresa portuguesa tinha na área das barragens.
Também não soube responder se o papel do banco que representava era o de financiador, nem tão pouco qual o possível beneficiário de qualquer financiamento que tenha vindo a acontecer.
Omitir o nome Sonangol Mas, se inicialmente se quis passar a ideia de que a Sonangol estava por trás da Primagest e dos investidores angolanos, com comunicados de imprensa que deram inclusivamente origem a notícias que constam do processo, houve um momento em que se pretendeu afastar tal referência.
Numa ata do conselho de administração da Coba, mostrada ontem à testemunha em tribunal, era referido que não se deveria mencionar o nome da Sonangol e que, se alguém questionasse o que havia sido referido no passado sobre a Sonangol, deveria dizer-se que era apenas “promotora” do negócio.
O MP considera que se tentou ocultar a ligação da Sonangol neste negócio da Coba, dado que, para efeitos de financiamento do Banco Mundial, a relação com uma empresa do Estado inviabilizaria o processo.
Angola não é a Europa O advogado N’Gunu Tiny respondeu que não se pode analisar o negócio da Coba e o que foi dito sobre as ligações à Sonangol à luz da realidade europeia, lembrando que, do outro lado, está um país com características diferentes.
“Se se tiver em conta o ordenamento jurídico europeu compreendo que se possa considerar ilegal a ligação a uma empresa estatal, até pelo tratado de Roma, mas não se pode pensar que em Angola isso é assim. É legítima a intervenção do Estado, como é legítima a intervenção da Sonangol”, explicou, acrescentando que a Sonangol era aliás uma garantia.
“Foi o BPA que me remunerou” Inicialmente, N’Gunu Tiny disse não se recordar de alguma vez ter representado a Primagest, mas após confrontado com a sua assinatura em documentação confirmou: “Se assinei é porque me foi passada uma procuração”. E adiantou que isso “não retira a verdade do que disse: que o [seu] cliente era o BPA e foi ele que [o] remunerou”.
Dizendo que agiu como representante da Primagest para um ato específico, sem que nunca tenha tido um mandato, afirmou desconhecer por completo o contrato que foi assinado entre esta sociedade e Orlando Figueira. Também não adiantou nada sobre a ligação de outras pessoas a este negócio.
O ex-presidente do conselho de administração da Coba, Ricardo Oliveira, disse há dias em tribunal que o negócio da venda começou a desenhar-se durante uma viagem a Lisboa do general Lopo do Nascimento e que ficou com a sensação de que a Sonangol é que estava por trás: “Lopo do Nascimento mostrou-me interesse e eu disse-lhe que, se em Angola arranjasse um grupo de prestígio interessado em comprar uma participação qualificada, analisaríamos a questão”. Sobre Lopo do Nascimento, N’Gunu Tiny disse que nunca o representou.