Fazer críticas injustificadas e humilhantes ao desempenho do trabalhador, desvalorizá-lo em público à frente de colegas, fazer circular rumores ou suspeições sobre o trabalhador no local de trabalho, atribuir-lhe tarefas para o qual não tem competência com o objetivo de o humilhar ou, o mais frequente, retirar-lhe funções são algumas das várias formas de pressionar o trabalhador para, em última análise, fazer com que se despeça. E apesar de existir enquadramento legal para tratar das questões de assédio moral – onde o assédio sexual está integrado – a maioria dos trabalhadores não denunciam este tipo de situações, admitem os juristas contactados pelo i que chegam a afirmar que este tipo de problemas são “mais frequentes do que se possa pensar”.
Diogo Leote Nobre, especialista em direito do trabalho da Miranda Associados, garante que “estes casos só se tornam conhecidos quando são denunciados e objeto de ações judiciais e, por isso, os que são revelados são uma ínfima parte das situações que ocorrem”.
O receio de perder o posto de trabalho é, de acordo com o jurista, um dos principais entraves à denúncia deste tipo de situação. “Um dos principais problemas é que, nestes casos, a vítima é o próprio trabalhador, daí ter alguma dificuldade em avançar com uma ação judicial ou com uma queixa para a Autoridade das Condições de Trabalho. É mais fácil quando se está numa situação de rutura e quando já há um processo de negociação”, esclarece ao i.
Mas mesmo nas situações em que o trabalhador está prestes a sair da empresa, Diogo Leote Nobre admite que, o assédio moral também pode acontecer e dá um exemplo: “A empresa fez uma proposta, o trabalhador acha que o valor apresentado é muito baixo e, nesse período, a empresa coloca o trabalhador sem total ocupação ou transfere-o para um sítio sem condições ou retira-lhe todos os instrumentos de trabalho. Todas estas questões são assédio e funcionam como uma forma de pressão para levar o trabalhador a aceitar a proposta”, revela o jurista.
Questão cultural Apesar de ser comum pensar-se numa questão sexual assim que se fala de assédio, o assédio não se esgota nessa dimensão, sendo que em contexto de trabalho o assédio moral tem um grande peso. No local de trabalho, as situações de assédio mais frequentes são a intimidação (48,1%) e a perseguição profissional (46,5%) garante ao i Inês Reis, especialista em direito de trabalho da pbbr. E dá um exemplo: “Uma empresa que não obriga a apresentar declarações médicas sempre que o trabalhador vai ao médico, mas obriga um colaborador a fazer isso então está a intimidá-lo e a criar-lhe uma situação humilhante face aos seus colegas. Isso é uma situação de assédio moral”.
Os superiores hierárquicos e as chefias diretas são os principais autores das situações de assédio moral, alcançando 83,1% no caso dos homens e 82,2% no caso das mulheres, já as situações de assédio sexual mais frequentes no local de trabalho são a atenção sexual não desejada e as insinuações sexuais e as vítimas são, na sua maioria, as mulheres.
No entanto, a jurista admite ao i que esta questão não é nova, mas tem agora um maior impacto na sociedade e que ganhou maior relevo com os recentes escândalos de assédio sexual. “Há muitos anos que se ouvia que x trabalhador tinha sido posto na prateleira e esta situação é claramente uma questão de assédio moral”.
Ainda assim, Inês Reis reconhece, principalmente, no caso do assédio sexual, que este está muito dependente de questões culturais e, nesse aspeto, admite que Portugal tem um longo caminho a percorrer . “Um comportamento que é inaceitável socialmente em países no norte da Europa é um comportamento socialmente mais tolerável nos países a sul da Europa. É o caso da piada, da brincadeira que não é aceite pelos países a norte da Europa, mas que os latinos acham normal. É claro que há uma fronteira em que todos nós deixamos de ter dúvidas face a determinadas situações”, esclarece ao i.
Maiores avanços Os dois juristas contactados pelo i lembram que, ainda assim, temos assistido a alguns avanços nesta matéria, nomeadamente depois de ter entrado em vigor, em outubro passado, um reforço em termos de mecanismos legislativos destinados à prevenção e combate ao assédio moral. Com estas novas regras, tanto as vítimas como as testemunhas de assédio no trabalho estão mais protegidas após a entrada em vigor do diploma.
Também os empregadores terão de estar mais atentos ao que se passa na empresa. Isto porque a nova lei obriga os patrões a denunciar casos de que tenham conhecimento, no seio da própria empresa. Além disso, as empresas com sete ou mais trabalhadores que ainda não tenham um código de boa conduta que faça referência à prevenção e ao combate ao assédio ficam sujeitas a uma contraordenação grave, que pode ser superior a nove mil euros, nas situações mais graves.
Ao mesmo tempo, é atribuído um papel mais ativo à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da Inspeção-Geral das Finanças que é obrigada a disponibilizar um email, site ou outra plataforma eletrónica exclusivamente dedicada à receção de queixas de assédio no trabalho.
De acordo com o estudo “Assédio moral e sexual no local de trabalho”, publicado pela CITE, cerca de um sexto da população ativa de Portugal Continental, excluindo o setor primário, já sofreu pelo menos uma vez ao longo da sua carreira profissional uma situação de assédio moral no local de trabalho. As situações mais frequentes são a intimidação (48,1%) e a perseguição profissional (46,5%).
Já 12% dos 1801 inquiridos (14,4% de mulheres e 8,6% de homens) dizem já ter sido ou serem assediados sexualmente no emprego, sendo que em 37,4% dos casos ocorreu no antigo local de trabalho. Ou seja, valores muito acima da média europeia (2%), de acordo com o European Working Conditions Survey.