Nem Guterres, nem geringonça. Afinal, é uma questão de tamanhos. Ontem, o governo, na voz da sua secretária de Estado para os Assuntos Europeus, fez saber que o “pragmatismo” que levou Portugal a excluir-se da iniciativa de expulsão de diplomatas russos teve a ver com receio da resposta (entretanto já anunciada) do Kremlin.
Ana Paula Zacarias, em audição, explicitou: “A Espanha, a França ou a Itália, que são países com que temos muita identificação neste tipo de medidas, têm embaixadas que são o triplo ou o quádruplo da nossa!”
Ou seja, para Zacarias, a resposta russa a Espanha, França ou Itália terá menos consequências que uma eventual resposta russa a uma embaixada com menos diplomatas, como a portuguesa. “É um aspeto pragmático”, salientou a governante do PS. “Nós temos três diplomatas em Moscovo. Se expulsamos diplomatas, ficamos sem ninguém lá”, contabilizou depois.
Um deputado da oposição, membro da Comissão dos Assuntos Europeus, preferindo manter-se anónimo, sorri ao i: “Giro. O melhor argumento do governo é que só temos três pessoas em Moscovo. Como se amanhã não se pudesse enviar mais dez portugueses para a embaixada.”
A secretária de Estado, por sua vez, socorreu-se do antes dito por Marcelo Rebelo de Sousa. “O facto de o embaixador [português] em Moscovo ter sido chamado para consultas é, como disse ontem o sr. Presidente da República, um sinal claro da nossa posição em relação a esta matéria”. O chefe de Estado havia elogiado a decisão do governo como um “aviso” e “uma decisão forte por parte do Estado português”.
Ana Paula Zacarias revelou ainda que Portugal “deu o seu apoio para que as conclusões [do Conselho Europeu] fossem o mais expressivas possível”, concordando estas assumidamente com “a apreciação do governo do Reino Unido segundo a qual é altamente provável que a Federação da Rússia seja responsável e não há qualquer explicação alternativa plausível”.
Isto é, para a União Europeia, é inegável que o ataque químico que levou ao envenenamento de Sergei Skripal e da filha foi ordenado pelo Kremlin – e Portugal subscreveu essa mesma tese no Conselho Europeu de 22 de março.
Em entrevista à RTP, o ministro dos Negócios Estrangeiros não fugiu a esse dado, confirmando que Portugal atribui responsabilidades a Moscovo: “Usamos de prudência e entendemos que, neste momento, é a medida mais adequada para defender os interesses nacionais e manifestar também, no plano internacional, a importância que concedemos à responsabilidade da Federação Russa, que tudo leva a crer que seja absoluta, no ataque perpetrado em Salisbury”, disse Augusto Santos Silva.
Não é demasiado tarde para apanhar o barco Ao que o i apurou junto do Palácio das Necessidades, nesse sentido, o governo português não descarta juntar-se à iniciativa que reuniu mais de metade dos Estados-membros da União Europeia, assim como os Estados Unidos, o Canadá e a NATO – todos em solidariedade com o Reino Unido. Há reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia na próxima semana e, depois de até a Irlanda (nem sempre próxima do governo britânico) expulsar diplomatas russos, a possibilidade de apanhar o barco não é reduzida. “Nunca dissemos que não poderíamos tomar medidas adicionais. A nossa posição pode ser alterada”, observou a própria Ana Paula Zacarias, ontem. Portugal é o único Estado-membro da União Europeia que faz fronteira com o oceano Atlântico a não expulsar, até agora, diplomatas russos.
Risco ignorado? Para o PSD, por outro lado, estas explicações não foram suficientes. Ao i, Rubina Berardo, vice-presidente do grupo parlamentar com a pasta dos Assuntos Europeus diz, depois da audição, “que o PSD continua a não compreender a razão pela qual Portugal não está no pelotão da frente na demonstração da solidariedade com o Reino Unido”.
Além disso, a deputada social-democrata critica o facto de “Portugal não está a acompanhar o reconhecimento que esses nossos aliados fazem do claro risco colocado pela manutenção de agentes acreditados por embaixadas no nosso território”. “O ministro dos Negócios Estrangeiros [Augusto Santos Silva] invoca um interesse nacional que se sobrepõe à nossa aliança com o Reino Unido e que se sobrepõe à nossa integração na UE e na NATO, sem explicitar esse mesmo interesse nacional”, remata Rubina Berardo, ainda ao i.
Após a audição de Zacarias, cujas questões foram protagonizadas por Berardo, Fernando Negrão anunciaria que o PSD convocava Santos Silva de “urgência” ao parlamento. “A posição do PSD é que devemos alinhar com a maioria daqueles com quem temos estado sempre. O PSD recomenda ao governo que expulse diplomatas russos”, disse o líder parlamentar ‘laranja’ aos jornalistas, na Assembleia.
Santos Silva responderia poucas depois, dizendo-se “disponível para ir à audição que o PSD anunciou que ia requerer, na data em que a comissão [parlamentar] entender e que corresponda a um dia em que não esteja em visita ao estrangeiro”.