O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, não será ouvido na próxima semana, apesar do caráter «urgente» com que o PSD requereu a sua audiência no Parlamento. Ao que o SOL apurou, o ministro, que para tal já se disse «disponível», só se apresentará na Assembleia da República depois da próxima semana – em que reunirá com os seus homólogos europeus em Bruxelas.
Santos Silva já revelou publicamente ter informações que confirmam a presença de agentes russos em solo português e admite agora estar à espera que «as autoridades russas tomem iniciativas que permitam superar esta crise». O ministro, sabe o SOL, favorece um cenário em que Portugal não se junta aos restantes países ocidentais que expulsaram diplomatas russos esta semana, mas antes um regresso a casa voluntário dos agentes de Moscovo presentes em solo português sob abrigo diplomático.
Isto é: o ministro dos Negócios Estrangeiros prefere manter a decisão de não expulsar diplomatas da Federação Russa, protegendo assim as relações entre os dois países, mas também não deseja manter uma posição inerte à presença de agentes russos em solo português depois de ter subscrito as conclusões do Conselho Europeu que responsabilizam a Rússia por uma ataque químico em solo europeu: o envenenamento do ex-espião Sergei Skripal, exilado no Reino Unido.
Porta fechada
A futura audição do governante socialista, em que as comissões dos Negócios Estrangeiros, dos Assuntos Europeus e da Defesa pretendem participar, deverá, sabe também o SOL, ocorrer à porta fechada – sem transmissão no canal da Assembleia da República, registo audiovisual ou presença da comunicação social.
A primeira parte da audição deverá circundar as relações portuguesas com a Federação Russa, na medida em que deriva de um requerimento do CDS à Comissão dos Negócios Estrangeiros para ouvir Santos Silva acerca do que o ministro já avaliou na mesma comissão como «uso sistemático de informação em ataques que o nosso país e a aliança militar [NATO] e democrática [UE] é alvo», sendo que nessa mesma reunião Lara Martinho, deputada também socialista, associou os ataques informáticos sofridos por Portugal a origem russa, não sendo depois corrigida pelo presente Santos Silva.
A segunda parte da audição será, pois, sobre o tema tenso da transata semana: a decisão do Governo português – contrária à dos Estados Unidos da América, da NATO e de mais de metade da União Europeia – de não expulsar diplomatas russos em solidariedade com o Reino Unido, onde Skripal, como referido, sofreu um ataque químico.
Portugal trata-se do único Estado-membro da União Europeia que faz fronteira com o oceano Atlântico que não integrou a maior iniciativa «coordenada» do ocidente contra o Kremlin desde o final da Guerra Fria.
Elogio moscovita
O pragmatismo de Santos Silva – ou a sua tendência mais russófila, aliás bem semelhante aos demais MNE’s do Mediterrâneo – não corresponde a algo recente. O ministro português foi oficialmente a Moscovo três vezes nos últimos dois anos. No mês passado, a pretexto da inauguração de uma exposição, colheu mesmo largos elogios do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.
«Portugal vem adotando consistentemente uma abordagem equilibrada na sua política externa», comentou, este fevereiro, o Kremlin. «As conversações [ocorridas nessa visita de Santos Silva] entre os dois ministros ajudarão a manter uma dinâmica positiva no diálogo político com Lisboa», adiantou ainda um porta-voz de Sergey Lavrov à sua imprensa nacional.
«As relações entre a Rússia e Portugal estão tradicionalmente baseadas numa parceria, em respeito mútuo e num interação construtiva. Tendo em conta, a experiência existente de cooperação com Portugal em eleições para agências das Nações Unidas, os dois países uma discutirão futura cooperação no apoio de candidatos de ambos os países», acrescentava, em jeito de conclusão, o mesmo representante russo e demonstrando que a relação entre Santos Silva e Lavrov é substancialmente sólida.
António Guterres, por exemplo, é um dos casos de maior sucesso dessa «parceria» luso-siberiana nas relações multilaterais das duas partes. O ex-secretário-geral do PS foi eleito secretário-geral da ONU com apoio de Moscovo.
Venezuela
No Palácio das Necessidades, sabe também o SOL, um dos argumentos mais defendidos pelo MNE tem sido a defesa dos interesses portugueses em áreas extra-europeias cuja influência geoestratégica de Moscovo é considerável.
E, nesse sentido, o caso mais vezes evocado é o da Venezuela – país em que a presença portuguesa e os compromissos de empresas nacionais estão em jogo perante a tensão política contemporânea.
O grupo Agrovarius, do qual o ex-ministro – e ex-colega de Governo de Santos Silva – Mário Lino é administrador, tinha, no final do ano passado, 40 milhões a receber dos venezuelanos.
Mais publicamente, o Governo português apresenta o tamanho da sua embaixada em Moscovo como justificação para a decisão de não expulsar diplomatas russos. «A Espanha, a França ou a Itália, que são países com que temos muita identificação neste tipo de medidas, têm embaixadas que são o triplo ou o quádruplo da nossa! Nós temos três diplomatas em Moscovo. Se expulsamos diplomatas, ficamos sem ninguém lá», explicou esta semana a secretária de Estado Ana Paula Zacarias, na Comissão dos Assuntos Europeus, na medida em que a resposta russa a Espanha, França ou Itália terá menos consequências do que uma eventual resposta russa a uma embaixada com menos diplomatas, como a portuguesa.
Rio fica à margem
A referida opção do Governo teve, desde os primórdios desta, o beneplático do Palácio de Belém. Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto Santos Silva conversaram, sabe o SOL, mais do que uma vez sobre a situação. O apoio do Presidente ao longo da semana era já esperado. Rui Rio, pelo contrário, não foi consultado pelo Executivo de António Costa sobre esta matéria de política externa. Os consensos com o líder da Oposição, está visto, reservam-se a pastas mais domésticas.