Nem um mês depois de Rui Rio chegar à liderança do PSD, os críticos começaram a falar num congresso antecipado. Estranho? Não. O PSD é mesmo assim e, quando está na oposição, as coisas pioram. Luís Filipe Menezes que o diga. O líder que bateu com a porta zangado com «a canalha» que lhe fez «a vida negra» durou pouco mais de seis meses e não chegou sequer a disputar as eleições legislativas.
Os tempos eram outros, mas o cenário não era assim tão diferente. Por estranho que possa parecer, José Sócrates, há dez anos, era elogiado à esquerda e à direita e poucos acreditavam que o PSD o conseguisse bater nas eleições legislativas de 2009.
Foi neste contexto que, no dia 28 de setembro de 2007, os militantes do PSD foram chamados pela primeira vez a escolher entre dois candidatos: Marques Mendes, presidente do partido, que se tinha demitido por causa da derrota autárquica na capital do país, e Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara de Gaia. O resultado foi surpreendente, com a vitória do autarca com 53% dos votos.
As eleições internas foram duríssimas, com suspeitas de fraude e compra de votos. Com a chegada de Menezes à liderança, o clima de crispação não abrandou. As críticas e as polémicas eram constantes. «Houve, de facto, permanente tensão interna, nomeadamente dos chamados barões do PSD, que se dão mal com gente que vem de fora do eixo Lisboa-Cascais», recorda o então secretário-geral do PSD, Ribau Esteves.
Menezes, na noite eleitoral, prometeu que «todos» teriam lugar no seu PSD. Saiu seis meses depois, angustiado. «Para mim chega, basta», afirmou numa conferência de imprensa, na sede nacional do PSD. Para Menezes, tinha chegado a hora de «ver os críticos de sempre nessa batalha pelo voto dos militantes. Todos aqueles que durante estes meses indiciaram que poderiam ser bons líderes, bons candidatos a primeiro-ministro, devem mostrar que são carismáticos, mobilizadores, que têm ideias e que conseguem convencer as bases do PSD».
Um mês depois, em Gaia e após ter votado nas eleições internas que elegeram Manuela Ferreira Leite, foi ainda mais claro e apontou o dedo «a uma canalha que me fez a vida negra, que não tem caráter, e que é protagonizada por pessoas como aquele senhor de barbas da ‘Quadratura do Círculo’. Gente sem caráter».
O senhor de barbas era Pacheco Pereira que, com outros militantes, contestou a liderança. Apenas dois meses depois de ter sido eleito, Menezes já admitia um congresso antecipado. «Peçam-me um congresso e eleições que eu convoco amanhã de manhã», afirmou, numa entrevista à revista Focus, no início do ano de 2008.
O então presidente do PSD apontou, um a um, os nomes dos críticos: «Desde que eu sou líder, a dra. Paula Teixeira da Cruz ainda não se calou. Já vi cantores de ópera mais silenciosos. Mas não só. O dr. Aguiar-Branco, o Pedro Passos Coelho, o dr. Miguel Relvas… Em cem dias é um por dia. Se trabalhassem tanto, arregaçassem tanto as mangas quanto falam sem dizer nada, o PSD estaria, neste momento, com um exército brutal a caminho de uma dupla maioria absoluta».
O dia em que o símbolo do PSD passou de laranja a azul
As polémicas eram tão constantes como inesperadas. Ainda hoje não se percebe se a intenção era mudar ou não o símbolo do partido, mas Menezes não se livrou dessa acusação quando apareceu a discursar num cenário com um fundo azul em que as três setas davam lugar apenas a uma. «Estão doidos», decretou Alberto João Jardim. O então líder do PSD/Madeira avisou que «se aparecer aqui uma bandeira azul, vai servir para outra coisa qualquer». Miguel Veiga, fundador do PSD, comparou o novo símbolo «ao anúncio de uma gasolineira» e Manuela Ferreira Leite considerou que «a envergonhada cor de laranja perdida num dominador espaço azul toca fundo nas raízes do partido».
Não houve quase nenhum destacado militante do partido que não entrasse nesta polémica. Ribau Esteves lembra este episódio como «uma das histórias mais ridículas» que se viveram naquela altura. «Uma coisa completamente absurda, apenas porque num dos cenários de enquadramento da conferência de impressa tínhamos usado um fundo azul. Aturámos de tudo».
Os críticos não perdiam uma oportunidade para arrasar Menezes. A prova disso foi, umas horas antes da demissão, a entrevista de Aguiar-Branco à revista Visão em que defendia abertamente um congresso antecipado. «A alternativa a José Sócrates passa por alguém que não deve ser Luís Filipe Menezes». Há quem ache que foi essa entrevista que fez rebentar a paciência de Luís Filipe Menezes, mas também quem atribua a demissão às críticas de Ângelo Correia, mandatário da candidatura de Menezes.
Ângelo Correia, acompanhado por Passos Coelho, que viria a candidatar-se nas eleições seguintes, declarou que «é totalmente insatisfatória a situação» do PSD. Desta vez não eram os críticos a malhar no líder, mas um apoiante que se mostrava agastado por o partido ser «uma enorme confusão interna, múltiplas vozes a falarem de questões menores e laterais». Ribau Esteves não arrisca uma razão para explicar a demissão. «Não soube nem sei os motivos da decisão de se demitir». O discurso de Alberto João Jardim no Conselho Nacional ilustra bem o clima que se viveu no PSD: «Tudo isto foi e é execrável. Discordar, sim, é legítimo. Facas nas costas, em benefício do adversário, é abominável».
O partido voltou a dividir-se após a demissão do líder. António Capucho disse que Menezes teve «um momento de grande lucidez» e percebeu que não tinha condições para continuar. Outros, como Fernando Negrão, desafiaram o autarca de Gaia a recandidatar-se. Menezes ainda vacilou, mas optou por sair de cena. As eleições foram disputadas entre Manuela Ferreira Leite, Pedro Passos Coelho e Santana Lopes. O resto da história é conhecida. A ex-ministra das Finanças ganhou as eleições internas, mas perdeu as legislativas com José Sócrates. O PSD voltou ao poder três anos depois, com Passos Coelho.