Paulo Ralha acha natural que algumas juntas de freguesia queiram ser ressarcidas por ajudar os contribuintes a preencher e a enviar as declarações de IRS, uma vez que não têm obrigação de o fazer. Já em relação ao trabalho que os contribuintes são obrigados a ter com a validação de faturas, o presidente do STI diz que só assim é que os inspetores podem ser libertos do seu trabalho de secretaria para irem para o terreno combater a fraude e a evasão fiscal.
Estamos a assistir este ano a uma verdadeira corrida à entrega das declarações de IRS. Ficou surpreendido?
Não. Ficarei surpreendido se o governo fizer o reembolso em 12 dias e conseguir assim cumprir os prazos. Tudo o que o governo tem prometido, não tem cumprido os prazos. É o que se passa, por exemplo, com a revisão das carreiras. Se cumprir este, será ótimo.
A ideia de um reembolso mais cedo está a incentivar os contribuintes a entregarem nos primeiros dias?
Desde o ano passado que assistimos a uma mudança de paradigma nos prazos dos reembolsos. Antigamente demoravam muito mais tempo mas, desde o ano passado, a promessa de reembolso em três semanas – e que foi cumprida, o que nos surpreendeu pela positiva – levou os contribuintes a acelerarem o processo de entrega do IRS. Esta ideia de receber mais cedo está a levar os contribuintes a entregarem as declarações nos primeiros dias.
Tem sido divulgado que o dinheiro irá chegar às contas nas próximas semanas…
Vamos aguardar para ver se o dinheiro dos contribuintes sempre será entregue nesses prazos. A acontecer, isso vai fazer com que todos os contribuintes entreguem as suas declarações no primeiro mês, o que será uma situação inédita.
Mas há sempre aqueles que deixam para o fim…
Por norma, quem deixa para o fim são aqueles que já fizeram as suas contas e sabem que vão pagar e, por isso, pensam que quanto mais tarde entregarem a declaração, mais tarde irão pagar.
Concorda com as declarações do secretário de Estado quando diz que “não é preciso fazer tudo no início nem deixar tudo para a última hora”?
Sem dúvida, porque quando existe uma grande afluência, isso provoca um constrangimento no sistema e, sempre que este vai abaixo, os contribuintes são obrigados a repetir todo o processo. O sistema não tem capacidade para receber tantos acessos ao mesmo tempo. Por outro lado, podem existir erros nos primeiros dias que, depois de detetados, serão corrigidos. Foi o que aconteceu no ano passado. Os contribuintes deveriam esperar duas a três semanas para fazerem a entrega da declaração, para evitar esse tipo de erros ou falhas.
E se existirem falhas há o risco de os reembolsos serem menores?
Daí ser aconselhável que todos os contribuintes analisem todas as faturas que estão no sistema para ver se estão de acordo com o que apresentaram, principalmente no caso de despesas que são mais relevantes, como a educação e a saúde. São este tipo de despesas que convém analisar bem porque vão ter alguma repercussão em termos de relevância no resultado final da liquidação. Mas, se numa primeira fase de entrega, o contribuinte não detetar essas omissões ou simplesmente ocorrer uma situação anómala, o contribuinte pode até ao final do prazo preencher uma nova declaração de substituição sem qualquer tipo de penalização.
Foi anunciado que o IRS automático vai abranger 60% dos agregados, mas continuam a existir muitas exceções…
O IRS automático destina-se a quem tem situações-padrão: rendimentos por conta de outrem ou pensões. Mesmo assim, este ano já abrange outras situações, o que não acontecia no ano passado, ao contabilizar despesas relacionadas com a educação. Ainda assim, há um rol de outro tipo de despesas que não abrange, nomeadamente produtos financeiros, como os planos poupança-reforma, assim como despesas com rendas ou com juros de quem tem créditos à habitação. Se calhar, para o ano já poderá abranger este tipo de despesas. Mas há outra situação a ter em conta. Este ano, o sistema, por defeito, mesmo que as pessoas sejam casadas, assume que as declarações serão entregues separadamente, o que poderá fazer alguma diferença em termos de reembolso ou de cobrança porque, se entregarem em separado e se um dos cônjuges atingir o limite de dedução, essas despesas não poderão ser aproveitadas pelo outro. Mas se entregarem em conjunto, isso já não acontece porque o montante das deduções duplica. Se um contribuinte tem muitas despesas de saúde e o outro tem poucas, mas em termos de rendimentos os valores são muito semelhantes, então compensa fazer a entrega em conjunto porque o espetro das despesas de saúde de um vai beneficiar o que não tem tantos gastos. Neste caso vão poder os dois, em conjunto, atingir um limite superior. Já se os dois tiverem o mesmo nível de despesas, então não faz diferença entregar em conjunto ou em separado.
E é normal existirem tantos problemas técnicos?
No ano passado existiram essas falhas principalmente nas simulações. Este ano, as falhas continuam a ocorrer principalmente no acesso às simulações. É normal porque há sempre espaço para não se conseguir pensar em tudo de forma exaustiva, porque os parâmetros são imensos, e há sempre uma ou outra situação que, não estando prevista, pode provocar um erro na entrega ou, pelo menos, uma lacuna na entrega da declaração.
Mas se, todos os anos, a máquina fiscal tem falhas, então porque não há um maior investimento ou aposta para que isso não aconteça?
A este nível, e estou a falar do sistema informático ao nível central, porque é ele que vai liquidar e processar os reembolsos ou cobranças, tem havido investimento. Onde há falhas de investimento em termos informáticos dentro da Autoridade Tributária e Aduaneira é ao nível dos serviços locais. Ou seja, os serviços locais e as direções de Finanças têm lacunas gravíssimas em termos de equipamentos informáticos porque estamos a trabalhar com equipamentos que, na maior parte dos casos, têm mais de dez anos. É completamente anacrónico e é natural haver muitas falhas no acesso aos servidores. Se calhar, até há mais falhas dentro dos próprios serviços do que fora. Isso, sim, é um problema gravíssimo. Mas também é preciso ter noção de que é impossível responder a todas as questões, até porque os problemas vão-se resolvendo à medida vamos desbravando caminho. À partida pensamos que temos todos os parâmetros dentro do nosso horizonte, mas há sempre qualquer coisa que falha porque a complexidade do sistema fiscal é tão grande que é impossível abranger tudo.
Este ano há uma grande novidade que é o fim da entrega do IRS em papel. Isso não está a criar contribuintes de primeira e contribuintes de segunda?
No ano passado foram entregues em papel cerca de 150 mil declarações. Nestes 150 mil contribuintes há dois grandes grupos. Um que são pessoas instruídas com acesso à internet e sem qualquer problema de iliteracia informática, mas como sabiam que iam pagar IRS, optavam pela entrega em papel porque, neste caso, os dados teriam de ser recolhidos para o sistema informático, o processo levava tempo e, conscientemente, atrasavam o seu processo de pagamento. E depois há um outro grupo que são pessoas que até podem viver em meios urbanos, mas têm grandes dificuldades em lidar com sistemas informáticos ou até mesmo com computadores. Mas o que acontece a este último grupo? A esmagadora maioria são pessoas que têm pensões relativamente baixas e, mesmo que não apresentem despesas ou só apresentem despesas de saúde, face ao rendimento que têm, a liquidação será neutra. Ou seja, não dá para receber nem para pagar. E este ano, tal como já aconteceu no ano passado, mesmo que ninguém valide, o sistema informático vai dar como entregue, sem qualquer tipo de penalização ou coima porque, para todos os efeitos, a declaração é considerada sempre entregue dentro dos prazos. No entanto, mesmo os contribuintes que estiverem nesta circunstância e se precisarem de ajuda, os serviços de Finanças, dentro do seu quadro de possibilidades e dentro dos graves problemas ao nível informático que têm, podem dar uma ajuda. Os funcionários fazem tudo o que está ao seu alcance, mas sem as ferramentas adequadas não fazem milagres.
Também podem contar com o apoio das juntas de freguesia…
Existe um historial muito positivo desta ajuda que é prestada pelas juntas de freguesia. Tem sido um trabalho louvável. Além disso, a entrega por via eletrónica está muito facilitada e se for pelo sistema automático perde-se um ou dois minutos e a entrega está feita para depois ser validada. E já há pessoas nas juntas de freguesia que conhecem o sistema e estão bastante familiarizadas naquelas operações, e podem resolver o problema da maior parte dos contribuintes muito facilmente.
Mas nem todos concordam. A União de Freguesias de Coimbra já veio afirmar que o preenchimento das declarações de IRS devia ser feito pelo governo…
Isso é uma questão política, mas é verdade que as juntas de freguesia não têm obrigação de o fazer. Na minha opinião, as juntas de freguesia gostam de praticar atos que beneficiam os seus eleitores e é dentro deste quadro que estas situações se desenrolam. É evidente que as juntas de freguesia, de um momento para o outro, podem virar as costas e dizer que é um tipo de situação que tem de ser resolvida pelos serviços centrais, nomeadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira. É legítimo que venham a ter este tipo de atitude.
Dizem que os funcionários das juntas de freguesia têm de ser “desviados de outras funções” durante este período e que as juntas não recebem qualquer tipo de compensação. São argumentos válidos?
São absolutamente válidos. Existe uma Autoridade Tributária e Aduaneira que é responsável por estas funções; as juntas de freguesia disponibilizaram-se para ajudar nesta operação. É legítimo que, não sendo uma função delas, tenham esta atitude, nem que seja para dizer que já estão a desempenhar esse trabalho e, como tal, querem ser ressarcidas por isso. Ou seja, podem querer algum tipo de compensação.
É expetável que surjam mais reações deste género?
Depende do número de funcionários que existirem nas juntas de freguesia. É evidente que há juntas que têm capacidade para resolver este tipo de problemas aos seus eleitores, mas há outras com menos meios, tanto humanos como informáticos e, por isso, terão maior dificuldade. É uma situação que as juntas de freguesia terão de analisar.
A verdade é que nestes últimos anos tem exigido um esforço por parte dos contribuintes em validar faturas. Isso não esvazia as próprias tarefas do fisco?
A Autoridade Tributária e Aduaneira tem de se libertar deste tipo de tarefas e tem conseguido libertar-se ao longo do tempo, o que é positivo. A Autoridade Tributária, atualmente, não deve preocupar-se com estas tarefas, tem é de se preocupar em fazer grandes inspeções, em ir para o terreno, fazer análises de divergências, fazer controlo de bens face a rendimentos de determinados contribuintes, porque todas estas situações é que defraudam o Estado. Todas as situações de cumprimento voluntário, como é o caso da validação de faturas, são ótimas porque libertam os inspetores para que possam focar-se em situações maiores.
E, na prática, isso aplica-se?
É uma luta constante. O sindicato tem lutado arduamente e, neste momento, a proposta que fez para a revisão do estatuto de carreira vai no sentido de dar aos meios humanos maior capacidade para se poderem dedicar a este tipo de tarefas. Hoje em dia, o mundo da fraude e da evasão fiscal é cada vez mais complexo e é preciso ter os recursos humanos motivados e valorizados para se dedicarem a estas ações, e não a funções de secretaria que, em termos de benefícios para o Estado, não são tão úteis como eram. Já não estamos nos anos 80, em que todas as declarações de IRS tinham de ser entregues em formato papel e era preciso explicar como é que essas declarações eram preenchidas. Neste momento, a maioria dos contribuintes já não precisa deste aconselhamento, o que é preciso é concentrarmo-nos nas empresas e nas entidades que vendem bens e que não estão dentro do sistema ou que tentam fugir do sistema, para que os cofres do Estado tenham receitas. Apesar de, neste momento, já existir a ideia de que não compensa fugir ao fisco e não só não compensa como é um ato que já provoca algum repúdio social. Já começa a existir a ideia “se ele não paga ao fisco, então obriga-me a pagar mais”.
Mas chegou a denunciar o facto de os inspetores não poderem ter esse tipo de iniciativa…
É um problema que não está totalmente ultrapassado. Continua a existir uma política da casa que é castradora deste tipo de iniciativas porque, se um contribuinte acusar a Autoridade Tributária e Aduaneira de vasculhar a sua vida e de tornar isso público, automaticamente o trabalhador é acusado e sujeito a um processo disciplinar, mesmo quando tem ordens de serviço para fazer essas inspeções. Isto provoca um constrangimento aos trabalhadores e impede–os de fazer esse tipo de análise. É uma situação que tem de ser alterada, mas já não é tão evidente como era há uns dois ou três anos atrás.
E tem havido sensibilidade para alterar esta situação?
Tem havido por parte do atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas também é preciso que houvesse sensibilidade por parte da Direção-Geral para não instaurar processos por tuta e meia, sem haver um fundamento real de que o trabalhador agiu, por exemplo, por curiosidade.
A lista VIP ainda não está ultrapassada…
Estas ações de processos de averiguações e processos disciplinares aos trabalhadores ainda são um rescaldo da lista VIP. A lista VIP era uma lista que concentrava quatro contribuintes e que, provavelmente, iria prolongar-se a mais, e impedia que estes fossem alvo de qualquer tentativa de visionamento ou de verificação por parte dos funcionários da Autoridade Tributária. E o que se tentou transmitir para a opinião pública, de forma totalmente perversa, é que os trabalhadores expunham a vida dos contribuintes. Isso é totalmente falso, é uma mentira, e é preciso ultrapassar isso de uma vez por todas. Os trabalhadores nunca fizeram e não estão a fazer o visionamento da vida dos contribuintes para tornarem esses dados públicos ou para exporem essa informação à comunicação social. O que eles fazem e que está dentro do seu âmbito profissional é verificar se as situações fiscais estão ou não estão regularizadas.