O sarampo é uma das doenças mais contagiosas. Quando o vírus circulava em Portugal, a proteção dependia mais de quem já tinha tido a doença ou não do que da vacina e chegava a haver milhares de casos anualmente, a estatística era a internacional: cada doente infetava, em média, até 17 pessoas. Perceber o que se passa num surto com as características do que foi detetado no início de março no Porto, e que deverá ultrapassar os cem casos nos próximos dias, é um dos objetivos da Direção-Geral da Saúde.
“Temos epidemiologistas e um professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa a fazer os cálculos para saber, no fim do surto, em média quantas pessoas infetou cada doente”, disse ao i a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, sublinhando que esta é uma das incógnitas daquilo que descreve como um surto de sarampo “mitigado” ou ligeiro.
A responsável explica o que está em causa: quando o vírus era endémico no país, o que deixou de acontecer em 2004 (os casos dos últimos anos têm começado sempre com a chegada de alguém que teve contacto com a doença no estrangeiro), as pessoas não só tinham em alguns casos a vacina ou historial da doença como periodicamente contactavam com o vírus nos surtos que existiam, o que ia mantendo os anticorpos contra o vírus em alta.
Com o sarampo a tornar-se muito menos frequente, manteve-se a imunidade, mas não tão reforçada, o que aumenta a suscetibilidade a contrair o vírus mesmo que a manifestação seja ligeira. Graça Freitas explica que esse tem sido o padrão neste surto, já que apenas 16% dos doentes não estavam vacinados de todo e só 8% dos 97 casos confirmados até esta quinta-feira tinham feito apenas uma dose da vacina. Quem tem uma ou duas doses da vacina, mesmo que apanhe o tal sarampo mitigado, tem menos hipótese de ser contagioso para terceiros do que quem não tem qualquer dose da vacina, mas perceber exatamente que cadeias de transmissão se formaram será um dos resultados finais das investigações epidemiológicas em curso.
Exames têm de ser repetidos
Outra consequência deste padrão de surto face ao que historicamente era habitual é que, também porque a manifestação da doença é ligeira, as primeiras análises de alguns doentes deram resultados ambíguos, que foi necessário repetir ao fim de alguns dias. Alguns desses casos, à segunda vez, deram positivo, esclarece a médica, o que contribuiu por exemplo para a subida de casos nos últimos dias. Graça Freitas exemplifica que dos sete casos novos confirmados de quarta-feira para quinta-feira, quatro resultaram da repetição de análises, não eram novos doentes de facto – as pessoas, aliás, já estavam curadas, explica a responsável. “É um desafio científico, laboratorial e epidemiológico muito interessante”, frisa, até porque nesta altura não há repercussões de maior a preocupar as autoridades: todos os doentes têm tido uma evolução “benigna”.
Ainda assim, ainda não é tempo de suspirar de alívio. Graça Freitas diz que há quatro doentes sinalizados recentemente que não estavam vacinados e que, por isso, podem ter contagiado outras pessoas – casos que dado o período de incubação da doença (8 a 13 dias) são esperados ainda na próxima semana.
Por agora, o surto continua concentrado sobretudo em torno dos profissionais de saúde do Hospital de Santo António, no Porto, e dos seus contactos. Ao todo, a DGS encaminhou para os hospitais cerca de 20 mil vacinas para que os profissionais de saúde pudessem reforçar as suas defesas. O balanço de quantas foram usadas até ao momento ainda não está fechado.
Quanto à hipótese de vir a ser necessária uma terceira dose da vacina do sarampo (hoje com duas doses recomendadas aos 12 meses e cinco anos de idade), Graça Freitas é perentória: não é algo que esteja em cima da mesa, ao contrário do que chegou a ser veiculado. “Isto é uma questão científica a nível mundial. Podemos contribuir com os dados do nosso surto, mas não com conclusões. Hoje não há qualquer evidência em relação à necessidade de uma terceira dose”, sublinha. Se algum dia houver, será analisada pelo país, remata a responsável.