Há, nos dias de hoje, uma espécie de rivalidade entre a linguagem futebolística do “no meu tempo é que era bom”, por vezes com o exagero no senso comum e no empirismo, e aquela que abusa dos conceitos científicos, das basculações, transições, passes transversais, diagonais e outros que tais. É certo que alguns aspetos da primeira estirpe já se encontrarão obsoletos; outros, porém, mantêm – e provavelmente irão sempre manter – a atualidade.
Serve esta introdução para dizer que, no caso do clássico de ontem, na Luz, um dos velhos chavões enquadra-se por completo: “Quem joga para não perder… perde.” Pode descrever-se assim o destino do Benfica, atendendo especificamente a um momento muito concreto: o minuto 74. Do alto da sapiência que um bicampeonato – entre outros títulos importantes – lhe confere, Rui Vitória lembrou-se de tirar Cervi, um acelera com linha direta para a zona mais recuada do adversário, e colocar Samaris. “A ideia era atacar de forma diferente, pelo centro do terreno”, justificou o técnico encarnado no fim. Fraca justificação, diz quem assina esta crónica: como qualquer mínimo conhecedor do futebol nacional certamente saberá, Samaris é tudo menos um jogador que dê propensão atacante à equipa cujas cores defende. Nunca foi essa a sua valência, e provavelmente nunca será.
Foi muito por aí que se começou a desenhar a passagem de testemunho – do jogo e do campeonato. O empate chegava às águias para manter a liderança, é certo. Mas, tendo em conta até a visita a Alvalade na penúltima ronda, não se impunha mais ambição a um Benfica que estava agora mais perto que nunca de conseguir o inédito pentacampeonato? Parece-nos que sim.
Entrada a abrir antes do apagão O rumo do encontro não foi sempre esse, bem entendido. O Benfica entrou mandão, com uma vontade férrea, visível nas arrancadas de Rafa, aos dois e 20 minutos (aqui atirou ao poste), e de Cervi aos 22’, com Casillas a safar. E isto sem Jonas: pela segunda jornada consecutiva, o melhor jogador dos encarnados – e provavelmente do campeonato – ficou de fora, devido a problemas físicos.
Só aos 25’ o FC Porto conseguiu causar alguns calafrios às repletas bancadas da Luz, com o regressado Marega – para quem estava ausente há mês e meio, não se notou nada – a abrir para Soares atirar às malhas laterais da baliza de Bruno Varela.
Em cima do intervalo, dois lances de golo iminente em cada uma das balizas: de cabeça, Raúl Jiménez ganhou aos centrais portistas e deixou Pizzi na cara de Casillas. O médio encarnado falhou o remate, porém, permitindo a defesa do mítico guardião espanhol que vai continuando a passear a sua qualidade pelos relvados nacionais. No decorrer da jogada, Ricardo fugiu pela direita e cruzou rasteiro para Marega, que ficou a centímetros de celebrar.
O segundo tempo chegou, e com ele um novo FC Porto apareceu em campo. Logo aos 48’, só uma enorme mancha de Varela impediu Marega de abrir o marcador, após novo passe a rasgar de Ricardo – grande exibição do lateral sistematicamente esquecido por Fernando Santos.
O Benfica tinha cada vez mais dificuldades em criar jogadas de perigo, cingindo-se a fogachos de arrancadas de Rafa, Zivkovic ou Grimaldo ou bolas paradas – como o remate de Jardel ao lado aos 55’. Dez minutos depois, mais um aviso portista: um remate em arco de Brahimi que, para ser perfeito, só lhe faltou beijar as redes de Varela. Eram uns míseros centímetros para a direita…
Aqui, ganhou quem quis mais Por esta altura, as oportunidades começaram a escassear para ambos os lados, mas o FC Porto estava claramente por cima. E Conceição a ganhar igualmente a dança das substituições: assim que pôde, tirou os amarelados Sérgio Oliveira e Otávio, trocando depois o estafado Soares pelo imprevisível Aboubakar. Do outro lado, Salvio trouxe pouco ou nada em relação ao desempenho de Rafa – cujas acelerações quase incontroláveis até chegam a fazer esquecer as incríveis falhas no momento da decisão, seja no último passe ou no remate –, até que chegou o tal momento da entrada de Samaris para o lugar do irrequieto Cervi. Zivkovic passou para a esquerda… e o Benfica passou para trás – um cenário inalterado mesmo após a troca de Pizzi por Seferovic: o meio-campo era irremediavelmente azul-e-branco.
O controlo do FC Porto, também é preciso referi-lo, era pouco mais do que territorial. Na verdade, ocasiões claras de golo dos portistas na segunda parte foram duas até ao minuto 90 – as tais de Marega, logo a abrir, e Brahimi. Só que o jogo dura até ao apito final do árbitro, e ainda faltava uma grande oportunidade para os dragões: aquela que fez, aos 90’, de Herrera o novo herói da Invicta. Réu no famigerado empate permitido nos descontos no Dragão na época passada, quando um chuto para canto resultou no golo de Lisandro López, o mexicano encheu-se de convicção, aproveitou o ressalto após corte incompleto de Grimaldo e, desta vez, rematou com a colocação perfeita. Golaço do “verdadeiro capitão”, como o seu técnico o descreveu. E o título praticamente entregue, com o tetracampeão a passar o testemunho a um FC Porto que, apesar das derrotas surpreendentes em Paços de Ferreira e Restelo, tem mostrado esta época ser de facto a melhor equipa em Portugal.
“Se houve uma equipa que jogou para ganhar, que fez as substituições para tal, é indiscutível que foi o FC Porto. Tivemos mais ambição e fomos premiados por isso. Vocês viram pelas substituições: o nosso adversário tentou segurar o resultado, e nós fizemos substituições para tentar vencer. Os jogadores acreditavam, estavam confiantes, e quando uma equipa vê o que o Sérgio fez para ganhar, empolga-se.” São palavras de Pinto da Costa. São palavras sábias.