Eles tratam-se por tu. E Carlos Moedas, o comissário português em Bruxelas, não poupa nos elogios a Emmanuel Macron nem prescinde de ambição no que à visão europeia diz respeito.
De boa relação desde o tempo em que o francês era ministro no governo de François Hollande, os dois europeístas tem semelhanças no discurso. Em conversa com o i, o ex-secretário de Estado do PSD diz mesmo que Macron, que conhece de perto, é “uma inspiração” como líder europeu. “Tem aquilo que os líderes precisam: uma capacidade oratória brutal, uma capacidade de explicar e estar dentro de cada tema”, afirma. “Tendo sido ministro uma vez na vida, vindo de uma carreira no privado, é fabuloso de ver. É um banho de modernidade na política”.
Quanto às semelhanças, é fácil detectá-las. A agenda de futuro em torno do surgimento da “tecnologia disruptiva” é uma constante nas intervenções de Carlos Moedas – naturalmente, tendo a pasta da Inovação na Comissão Europeia – e tem também marcado os discursos mais recentes de Emmanuel Macron, não sendo coincidência que o português tenha sido convidado para apresentar a estratégia da inteligência artifical ao lado do gaulês, em Paris.
O Conselho Europeu para a Inovação Disruptiva que Moedas lançou tem origem, conta o próprio, de conversas que já tivera com Macron quando este detinha o setor digital no executivo de Hollande.
“Tem uma energia positiva que envolve as pessoas. Sobretudo em França, que é um país muito institucional, em que os políticos tradicionalmente sempre foram mais velhos, muita gente dizia que era impossível. E não foi impossível”, recorda Moedas, em jeito de elogio. A “auto-confiança” do presidente francês, descreve ainda, é outra das características mais notáveis. “Consegue pegar nos temas europeus com um sentido positivo. Isso é muito inspirador”.
Um Obama europeu
A casa estava cheia. “Ele faz um discurso que explica. Tem o equilíbrio certo entre emoção e racionalidade e as pessoas [ontem, na sala] sentem que fazem parte de um caminho. Isso define uma liderança”, relata Carlos Moedas, que marcou presença no discurso que Macron foi ontem fazer ao Parlamento Europeu (ver página anterior). “Tem aplausos de todos os lados. Consegue uns à esquerda [Socialistas], outros à direita [Partido Popular Europeu] e outros entre eles. Nem toda a gente concorda com tudo, mas toda a gente aplaude. Não aplaudem é ao mesmo tempo”, sorri, ao telefone. E o que aplaudiu mais Carlos Moedas? “Um sentido pragmático sobre a Europa: de uma Europa que protege, mas não é protecionista”, diz, apreciando o apelo macroniano à não ingenuidade do lugar da Europa no mundo global. Sobre o lugar de Portugal na Europa em si, Moedas é claro: é aqui. “Só temos mais soberania se partilharmos mais soberania”.
Ao longo do breve diálogo com o i, Moedas vai procurando elevar esse limbo virtuoso – entre o pragmatismo de saber onde se quer estar e esse sentido positivo de saber explicá-lo às pessoas. Há, e não foi só no discurso de ontem, uma lógica de “dever de investir, dever de partilhar e dever de proteger”, salienta.
A União Europeia como defensora da democracia liberal não é uma ideia nova, claro, é aliás fundadora do projeto comunitário, mas há agora uma diferença. “É que agora as pessoas ouvem”, reconhece o comissário europeu de Portugal. “Macron pode falar em temas que sempre foram temas europeus, mas muitas vezes ouvimos as pessoas dizerem: ‘Ok, agora já percebemos’. Isso é uma força brutal que ele tem”, reconhece. Numa Europa por vezes complicada e confusa de explicar aos europeus, não há dúvidas.
O diálogo com os cidadãos que Macron reedita como modo de auscultação aos Estados-membros – tendo até uma secretaria de Estado para a democracia participativa – é um módulo, por exemplo, que Carlos Moedas aplaude.
E passar da explicação para a ação? Há, naturalmente, muito por fazer. Do orçamento da zona euro à conclusão da União Económica Monetária, o caderno de encargos é largo e não seria possível definir uma só urgência. “Creio que ele sabe muito bem o que quer”, avalia Carlos Moedas, já quase em conclusão.
“Uma Europa bem explicada, em que as pessoas sabem para onde queremos ir”, defende.