Catarina Martins acha que os problemas da habitação não podem esperar mais. E marcou uma data no calendário para testar até onde estará o PS disposto a ir para resolver aquilo a que António Costa já se referiu como “a pesada herança” da lei das rendas de Assunção Cristas. “É já no dia 4 de maio”, anunciou a coordenadora do BE, ontem ao final da tarde.
O desafio ficou lançado poucas horas depois de a deputada independente eleita pelo PS, Helena Roseta, ter apresentado a sua proposta para uma lei de bases da habitação. Sem nunca se referir diretamente ao projeto de Roseta, Catarina Martins afirmou que “o BE está muito empenhado em todas as alterações que concretizem o direito à habitação que está consagrado na Constituição”. Mas se para isso a bloquista está disposta a encontrar uma solução “até ao final da legislatura”, a urgência de travar “os despejos que estão em curso” leva-a a desafiar o PS a definir-se no parlamento no dia 4 de maio.
O BE vai levar a votação nesse dia propostas para acabar com o Balcão do Arrendamento, que os bloquistas consideram ser um “verdadeiro balcão de despejos” pela falta de garantias e proteção que dá aos inquilinos, mas querem também reintroduzir prazos mínimos para os contratos de arrendamento e avançar com uma proposta para controlar os preços.
Pressão no OE
As soluções concretas ainda estão em aberto e debates públicos como o de ontem ao final da tarde servem precisamente para afinar essas soluções. Mas o que está claro é a vontade de Catarina Martins de conseguir resolver problemas “urgentes” que afetam já não apenas os residentes dos centros históricos de Lisboa e do Porto, mas também zonas periféricas – como no caso das torres da Fidelidade em Loures.
Num dos últimos debates quinzenais, António Costa criticou Assunção Cristas por ter criado uma lei que gerou “precariedade” nos contratos de arrendamento. Agora, o BE quer ver até que ponto o primeiro-ministro e o PS estão empenhados em reverter essa política. E até avisa que “não deixará cair este tema no Orçamento do Estado” para 2019.
No PS, o tempo é de discutir a lei de bases elaborada por Helena Roseta. Carlos César, líder parlamentar e presidente do partido, esteve ao lado de Roseta na apresentação da proposta, mas não se comprometeu com a sua aprovação até ao final desta legislatura. “Vai ser um debate naturalmente prolongado”, admitia César, enquanto Helena Roseta prometia bater-se para que a lei de bases da habitação seja uma realidade até ao fim da legislatura.
A deputada, que tem dedicado os últimos anos ao tema da habitação, recordou que este é o único direito social consagrado na Constituição que não tem uma lei de bases. E frisou a urgência de ter uma legislação que ajude “a perceber como se monta o puzzle” das várias leis e políticas de habitação e garantir que os programas têm continuidade no tempo “e não acabam porque se esgota o dinheiro”.
O retrato está feito. O país tem 735 mil casas vazias, 75% de proprietários – mais de metade “inquilinos dos bancos”, como descreve Roseta – e 35% de famílias em sobrecarga financeira para pagar a renda, ou seja, a gastar mais de 40% do seu rendimento com habitação.
Requisição Pública
O problema tem-se agravado com a pressão imobiliária em Lisboa e Porto, mas também com a desertificação do interior. E Helena Roseta insiste que esta “não é uma lei só para as cidades”. A ambição é grande: definir os conceitos, os instrumentos políticos e os agentes responsáveis para que o direito à habitação deixe de ser letra morta na Constituição.
Com apenas 2% de casas de propriedade pública – quando na Holanda, na Áustria e na Dinamarca são 20% e em França 10% –, Roseta admite que “é muito difícil garantir um direito fundamental quando os recursos que existem têm esta distribuição”.
Por isso, a lei prevê mecanismos que ajudem a aproveitar casas que hoje estão desabitadas. Um desses mecanismos é o da introdução da noção de “função social da habitação”. Um conceito que vai permitir um “mecanismo de requisição temporária das casas devolutas sem justificação” mediante indemnização.
Esta requisição pública vai ser possível, por exemplo, em situações em que há casas devolutas à espera que os herdeiros se entendam sobre partilhas. Para que o mecanismo seja mais eficaz, as freguesias passarão a ter “competências para dizer onde estão as famílias aflitas e onde estão as casas vazias”.
E porque esta proposta quer também encontrar formas de combater a desertificação, Helena Roseta avança com a ideia de o Estado poder passar a direcionar investimentos estrangeiros como os dos vistos Gold para territórios de baixa densidade.
A lei prevê ainda a fixação de conceitos como a renda acessível, a renda condicionada e a renda apoiada. E a criação de programas de apoio a famílias em situação de despejo ou cidadãos sem abrigo.
Outra novidade, caso a lei venha a ser aprovada, será a apresentação obrigatória de um relatório público anual sobre o estado da habitação.
Governo prepara medidas
A proposta de lei de bases, que entra agora em discussão pública e está aberta a contributos, explica Helena Roseta, é mais uma peça que se encaixa na “nova geração de políticas de habitação” que o governo está a preparar e que devem ser apresentadas na próxima semana pela secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho.
Segundo o que já foi noticiado, estas medidas incluem programas que privilegiam soluções como o arrendamento, subsidiando as autarquias para subarrendarem imóveis a agregados familiares carenciados, e a reabilitação. Resta saber qual o montante para financiar estes programas, uma vez que o último levantamento apontava para 26 mil famílias em situação de carência habitacional e sugeria que seriam necessários 1700 milhões de euros para solucionar o problema.