Professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e militante do PSD, João Lemos Esteves tem nos últimos anos desenvolvido contactos com universidades e responsáveis políticos norte-americanos. Dessa ligação nasceu O Dia D de «The Donald» (ed. Ideia-Fixa), uma análise à vitória do candidato republicano em 2016 que conta com prefácio de João Caiado Guerreiro.
Desde quando se interessa pela política americana?
O meu interesse pela política americana já vem de há muito tempo. Foi quase concomitante com o interesse pela política nacional. Quando tinha 15, 16 anos acompanhava a administração Bush na altura da invasão do Iraque e as questões controversas que ela suscitou. Chegava a ir para a escola com uma ou duas horas de sono porque passava a madrugada a acompanhar os atos eleitorais, designadamente em 2004, entre John Kerry e Bush, que, contra todas as expectativas, foi reeleito.
Hoje, nos seus artigos, defende Trump. Também estava em sintonia com Bush?
Acompanhei essa fase com muito interesse mas muita discordância. Aliás achava que Bush podia ser a destruição do partido republicano, que iria ficar afastado do poder durante muito tempo. Aliás os democratas acharam o mesmo em relação a Obama, acreditavam que ele representava uma viragem na política americana que iria perpetuar-se por décadas.
O conhecimento que tem da política americana é eminentemente teórico ou resulta também de contactos com pessoas que fazem parte desse mundo?
Começou por ser teórico. A aprendizagem é morosa, porque a política americana é muito complexa. É um sistema de checks and balances mas que não se centra apenas num Estado Federal. Dentro de cada estado há um sistema autónomo e, por outro lado, há uma diversidade social que é o maior garante de equilíbrio político. Depois foi o aprofundamento, a problematização e a tomada de posição sobre a política americana. Até que chegaram os contactos com alguns responsáveis políticos americanos – quer republicanos, quer democratas.
E que opinião formou acerca de Donald Trump?
Conheço alguns responsáveis da campanha do Trump e tive oportunidade de falar com pessoas muito próximas do seu círculo. Devo dizer que é o contrário de um racista e de um xenófobo, como muitos pensam. Aliás, sobre Portugal Trump tem um grande respeito e até admiração.
Essas conversas aconteceram no contexto universitário?
Sim, e numa tentativa minha de saber mais sobre Donald Trump, para além daquilo que é o barulho mediático. Devo dizer que sempre fui bem recebido, pelo Partido Republicano em geral e até pelas pessoas mais próximas de Trump que não puderem ter uma influência maior junto da Casa Branca em virtude daquela história disparatada do conluio com a Rússia. Esse episódio da Rússia julgo que foi o que teve mais impacto em Donald Trump, que mais mazelas provocou, não pela veracidade da insinuação, mas porque de repente a campanha tornou-se muito centrada e muito desconfiada perante o exterior. A campanha falou várias vezes com entidades estrangeiras, não só russas, mas pegou-se naquele episódio da Rússia e explorou-se ao máximo. Parte da elite democrata acha que o partido devia era falar para os trabalhadores, e o que acontece é o contrário: centram-se em casos menores, em ataques à personalidade de Trump, que não vão dar em nada, como aliás se vê pelas sondagens.
Esteve nos EUA durante a campanha eleitoral?
Na campanha não tive oportunidade de lá estar, fui falando pelas vias que temos ao nosso alcance, mas fui lá depois da tomada de posse e fui já este ano.
Onde esteve?
Fui a Nova Iorque e estive em universidades da Costa Leste, onde estão os progressistas. O ambiente que encontrei é calmo, não é nada o frenesim de que se ouve falar em grande parte dos jornais portugueses. Há debate e fenómenos de oposição a Trump, mas também há episódios de apoio. A diferença é que os movimentos ou episódios de oposição têm mais relevância mediática. Mas mesmo em Yale, que é a principal escola de formação sobretudo dos democratas, há apoiantes fortes de Donald Trump. Ou veja-se o caso de Berkeley, o berço do movimento Antifa, que prometia uma oposição cerrada a Trump e afinal está pacificado. Se verificarmos, é sempre assim. Venha que republicano vier, para uma certa elite, vai ser o fim do mundo. Foi assim com os dois Bush, pai e filho, e é assim com Donald Trump, quando na verdade Trump é capaz de ser o republicano mais moderado que tivemos nas primárias. O problema é que ninguém foi ver os programas.
Mas qualquer pessoa que acompanhe as notícias fica com a sensação de que ele é também profundamente instável, errático e muito impulsivo. O João Lemos Esteves defende-o porque se identifica com os republicanos ou porque acredita que Trump está a fazer um bom trabalho?
Acredito que Trump teve um primeiro ano extremamente positivo na presidência. Há uma certa instabilidade. Isto tem a ver com a personalidade de Trump – aliás um político é sempre o político e a sua personalidade. Ronald Reagan tinha a fama de ser pacóvio, de não pensar para além do soundbyte, Bush pai tinha a fama de não saber decidir, Bush filho, dizia-se, não percebia nada de nada. E Donald Trump tem essa fama de ser instável.
Acha que é um estigma que não corresponde à realidade?
Aqui em Portugal o nosso Presidente também tem a mesma fama. Mas isso tem a ver com outra coisa. Trump é um outsider, do ponto de vista político é um novato. Quem quer reformar uma administração e uma administração pública da dimensão da americana, quem quer adaptar procedimentos políticos tem necessariamente de passar por uma fase de adaptação. Por outro lado há uma certa instabilidade que não é bem instabilidade – temos de distinguir. Dizemos que Trump é instável porque mudou grande parte da sua equipa. Não tem a ver propriamente com a instabilidade, tem a ver com o facto de o ‘Trumpismo’ resultar de uma coligação de várias posições, de várias sensibilidades políticas. A equipa inicial não era a que Trump queria. Era um encontro, resultou de republicanos tradicionais, de novos republicanos a que se pode chamar Alt-Right, embora este conceito não seja nada rigoroso – ou seja, tem que ver com as várias sensibilidades que entraram na Casa Branca. Ao mesmo tempo que Trump está a moderar e a ir para o centro, é natural que a ala mais à direita e tradicional do partido se mostre mais indignada.
Acha normal que o presidente demita quase todos os seus colaboradores mais próximos, o secretário de Estado, o chefe do FBI….?
O secretário de Estado Rex Tillerson resultou de uma sugestão do establishment republicano que era na altura liderado por Reince Priebus, chief advisor de Trump. A partir do momento em que essa fação perde influência com o recentrar de prioridades, é natural que o presidente escolha quem está em maior consonância com a sua agenda. Mas não significa que a administração tenha perdido em termos de experiência política. Prefiro Mike Pompeo a Tillerson e prefiro John Bolton a McMaster.
Mas isto não transmite muita instabilidade a quem está nos cargos?
Essa é a forma de decidir de Trump e é a forma que os americanos conheciam e sufragaram. Trump tem uma forma de liderança que é a da competência, dos resultados, há uma avaliação permanente dos protagonistas. As demissões relevantes foram as de Tillerson e de McMaster e essas duas compreendem-se perfeitamente. Na minha opinião a administração está hoje melhor do que estava inicialmente.
O Dia D de «The Donald»
de João Lemos Esteves
200 páginas
Preço: €13,00