A meta foi traçada: “Quando daqui a seis anos comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril poderemos dizer que eliminámos todas as situações de carência habitacional e, 50 anos depois de Abril, garantimos a todos os portugueses o direito a uma habitação adequada”, anunciou ontem António Costa na apresentação das propostas para a nova geração de políticas da habitação, no Ministério do Ambiente.
A meta pode ser “exigente”, mas o primeiro-ministro reforça que é preciso encontrar “de uma vez por todas um bom ponto de equilíbrio entre o que é a oferta de mercado e aquilo que é a oferta pública, entre o que é habitação própria e acesso à liberalização do mercado de arrendamento”, explicou.
E, por isso, Costa anunciou ontem a redução da taxa liberatória – imposto em sede de IRS que os proprietários pagam sobre as rendas – dos atuais 28% para 14% em contratos superiores a dez anos e para 10% se os contratos de arredamento forem superiores a 20 anos. A medida não é inovadora, o CDS já a tinha apresentado, no dia 11, numa proposta em que sugeria a redução do imposto para os 23% em contratos superiores a um ano e inferiores a cinco, 15% entre os cinco e os oito anos e 12% para contratos celebrados por mais de oito anos. No entanto, os valores do governo são mais ambiciosos. “Não é a fixação administrativa de uma renda, não é a fixação administrativa de um prazo de um contrato, é um incentivo adequado para que as partes possam negociar e estabelecer um contrato que dê a suficiente a estabilidade”, reforçou Costa.
Em causa, explicou o primeiro-ministro, está a estabilidade e planificação da vida a longo prazo, como por exemplo na questão do ensino infantil. “Imaginemos um jovem casal que acaba de ter um filho, como é que pode planear a sua vida se não sabe se vai viver em Benfica ou em Alcântara durante um ano ou durante três anos?”.
Outra questão salvaguardada por Costa relaciona-se com os idosos e indivíduos com incapacidade. “Os maiores de 65 anos ou aqueles que têm mais de 60% de incapacidade e que já vivam nas suas casas há um número significativo de anos” deve ter “o direito à renovação do contrato”, garantiu Costa. Ou seja, não poderão ser despejados pelos senhorios. Porém, não indicou quantos anos são considerados “um número significativo”.
Coesão social e territorial
Da estratégia, que foi apresentada por Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação, destacam-se três novos programas: “1.º Direito”, “Chave na Mão” e “da Habitação ao Habitat”.
O programa “1.º Direito” pretende apoiar o acesso à habitação e ajudar os cidadãos que vivam “em situações indignas e que não dispõem de capacidade financeira”. O programa “Chave na Mão “é um auxiliar à mobilidade habitacional para a coesão territorial que “simplifica a mudança de residência de famílias com habitação própria permanente localizada em áreas de forte pressão urbana que pretendam fixar-se num território do interior”.
João Pedro Fernandes, ministro do Ambiente, explicou que o programa “1.º Direito” “concretiza a prioridade dada à resolução das carências mais graves e visa assegurar o acesso a uma habitação adequada às pessoas que vivem em situações indignas”. Este programa será concretizado em parceria com os municípios a quem o ministro apelou várias vezes para colaborarem com o governo.
Quanto ao “Chave na Mão”, disse o ministro, “reflete a estratégia de aproveitamento e valorização dos recursos e de condições próprias do território”. “Se a nossa intenção é prosperar no longo prazo, tal não será possível enquanto se persistir no modelo económico que gasta sem repor, degrada e não recupera”, acrescentou.
Ana Pinho anunciou o projeto-piloto “da Habitação ao Habitat” que tem como objetivo melhorar as condições dos bairros sociais, numa tentativa de integrar e aprofundar os serviços públicos já disponíveis.
As causas do problema
Se são muitas as vozes que culpabilizam o excesso de turismo como principal fator dos problemas no mercado da habitação, sobretudo na zona histórica de Lisboa, Costa colocou a hipótese de lado. “Nós não temos alojamento local a mais”, garantiu, “temos é habitação acessível a menos”. E, por isso, o governo anunciou que pretende investir o suficiente para passar dos atuais 2% de habitação acessível para 5%. O Estado “contribuirá para o fazer colocando progressivamente os fogos que detém da segurança social neste mercado de rendas acessíveis”, garantiu.
Para o primeiro-ministro, existem duas razões que contribuíram para a degradação do mercado habitacional. Por um lado, “o crédito fácil e barato financiou a construção de casas novas” e, por outro, “os resquícios de uma lei do arrendamento assente no congelamento” que se traduziu “na degradação de património, esvaziamento dos centros das cidades, abandono sucessivo de património e a multiplicação de casas devolutas no seio das cidades”.
Outras propostas
Helena Roseta, deputada independente do PS na Assembleia da República e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, que assistia à apresentação na primeira fila, há menos de uma semana propôs a criação de uma Lei Base para a habitação, de forma a garantir aos portugueses o direito inscrito na Constituição. A proposta prevê um “mecanismo de requisição temporária das casas devolutas sem justificação” de forma a serem restauradas e arrendadas a preços acessíveis. Está também incluído no documento o direcionamento de investimento estrangeiro, como os Vistos Gold, para zonas com menor densidade populacional promovendo a coesão territorial, e a criação de programas de apoio a famílias em situação de despejo ou cidadãos sem abrigo.
Para além do benefício fiscal, o CDS apresentou outros dois projetos: um regime jurídico de seguro de renda e um novo sistema de fundos de reserva para os edifícios. “Com a existência de um seguro de renda, evitam a exigência, que por vezes há, de cauções grandes e de fiadores para fazer o arrendamento”, disse o deputado Álvaro Castelo Branco no início do mês. Sobre o fundo de reservas, os centristas defendem que o seu uso deverá ser fiscalizado de forma a que seja aplicado na restauração dos edifícios, como é suposto.
Já o PCP avançou com uma proposta de revogação do que chamam “lei dos despejos” – ou lei do arrendamento urbano aprovada quando Assunção Cristas estava à frente do Ministério do Ambiente. “Consideramos que o que é urgente, neste momento, é travar os despejos, impedir que as famílias possam perder a habitação onde sempre residiram, impedir o encerramento de micro e pequenas e médias empresas e de muitas coletividades”, disse a deputada comunista Paula Santos aos jornalistas.