Nunca houve nada parecido na astronomia. A missão Gaia, da Agência Espacial Europeia, disponibilizou ontem o segundo pacote de dados recolhidos pela sonda lançada para o espaço em 2013, com o objetivo de mapear e perceber a posição exata de cerca de 1% das estrelas da galáxia. Pode parecer uma pequena amostra, mas nesta nova ronda de dados cabem qualquer coisa como 1,7 mil milhões de estrelas. A ajudar a “digerir” todas as medições que chegam do espaço tem estado uma equipa portuguesa, liderada por André Moitinho de Almeida, professor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A informação é tanta que o investigador usa um verbo apropriado quando o assunto são estrelas. “A sensação é que ficamos encandeados pelos dados”, brinca.
Ontem, ao final de um dia em que foi posta a circular uma nova imagem produzida pelo consórcio português para ilustrar o alcance da missão – a fotografia que acompanha este artigo –, André Moitinho de Almeida não escondia o entusiasmo. “Isto é algo único”, resume. A equipa portuguesa participa na missão desde a primeira hora, quando começou a imaginar, planear e testar como seria possível apresentar os dados que iriam chegar do espaço. No pico máximo da participação, na fase de preparação, foram 20 investigadores envolvidos no projeto. Hoje são sete, mas todos podem orgulhar-se de ter contribuído para o desenvolvimento de uma plataforma de visualização inédita, disponível para qualquer interessado no arquivo da missão Gaia no site da Agência Espacial Europeia. Para perceber a importância das ferramentas que desenvolveram, basta pensar que tinha de preencher uma tabela de excel com 1,7 mil milhões de entradas, referentes a cada uma das estrelas que analisaram e com vários parâmetros para cada uma. “Não era só a questão de o excel não abrir, mas como tornar a informação inteligível”, diz André Moitinho de Almeida, para quem esta é a missão de uma vida.
A Gaia está prevista até 2020 e as operações no espaço poderão ser prolongadas até 2022, o que implicaria dados para processar até 2024. Estimar melhor o número de estrelas e planetas na galáxia – Moitinho de Almeida aponta para 400 mil milhões de estrelas – será um dos possíveis resultados, além de se chegar às suas diferentes características e posição exata. Neste pacote de dados agora disponível, que resulta de 22 meses de observação, é possível saber as posições e magnitudes de 1,7 mil milhões de estrelas, velocidades radiais e mesmo parâmetros astrofísicos como a temperatura à superfície, por agora para 161 milhões de estrelas, informação até aqui inexistente e que ajuda a perceber a sua tipologia – no fundo, a perceber melhor o universo que nos rodeia.
Se o trabalho vai continuar nos próximos meses, Moitinho de Almeida sublinha que nem sempre tem sido fácil manter a participação nacional no projeto, que foi pioneira com este grau de envolvimento científico na Agência Espacial Europeia. Desde 2014 que se mantêm ligados ao projeto sem qualquer financiamento nacional, lamenta. Em 2016 viram a candidatura recusada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Já o concurso do ano passado ainda não divulgou resultados. Através de uma startup têm conseguido ganhar contratos industriais na ESA, que permitem sustentar o envolvimento na missão, cada vez mais reconhecido lá fora mas sem apoio dentro de portas. “Começou por ser só a participação de uns portugueses e hoje somos considerados um consórcio crítico para o projeto”, diz Moitinho de Almeida. Basta ver que nestas imagens da Via Láctea, que vão entrando para a história da astronomia, os créditos são lusos: “Gaia Data Processing and Analysis Consortium (DPAC); A. Moitinho / A. F. Silva / M. Barros / C. Barata, University of Lisbon, Portugal; H. Savietto, Fork Research, Portugal.”