A partir de 25 de maio, os jornalistas deixam de poder escrever sobre pessoas envolvidas em processos judiciais a menos que tenham a autorização dos próprios. Isto mesmo que o juiz titular do processo tenha autorizado a consulta dos autos por haver matéria de interesse público. É algo que muda radicalmente a forma de fazer jornalismo e que todos os partidos admitem poder levantar entraves à liberdade de imprensa.
Alguns deputados não hesitam em classificar esta mudança como «uma lei da rolha» e até há disponibilidade de todos os partidos para mudar a norma. O problema é que a mesma decorre de um regulamento comunitário sobre proteção de dados que entra forçosamente em vigor em Portugal este mês e que só poderá ser alterada por uma lei que baixou ontem à primeira comissão para uma discussão na especialidade que os parlamentares admitem poder demorar vários meses.
‘É uma lei da rolha’, diz PSD
Enquanto os deputados estiverem a fazer audições e a debater soluções, estará em vigor um artigo que a Associação Portuguesa de Imprensa (API) considera – num parecer enviado à Assembleia da República – «pôr em causa a liberdade de imprensa em Portugal, nomeadamente a autonomia dos jornalistas e a independência dos editores».
Paula Teixeira da Cruz, do PSD, diz que se está perante «algo muito grave que compromete o trabalho dos jornalistas e que é uma verdadeira lei da rolha».
José Manuel Pureza, do BE, concorda. O bloquista defende, aliás, ser essencial fazer aprovar uma lei que altere essa disposição no regulamento de proteção de dados. «Não se pode pôr em causa a liberdade de informação fora dos casos que estão em segredo de Justiça», afirma, admitindo que isso vai acontecer a partir do dia 25 e enquanto o Parlamento não aprovar uma lei que altere o que está no regulamento. E quando será isso? Não se sabe, porque apesar de as discussões de diplomas na especialidade terem um prazo inicial de 30 dias, esse período pode ser prorrogado. «É uma trapalhada», critica José Manuel Pureza.
Vânia Dias da Silva, do CDS, diz que a culpa é do Governo «que só pegou no assunto seis meses antes do prazo para a entrada em vigor do regulamento europeu» e que «nem ouviu entidades como a API ou a própria Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)». Por isso, a centrista afirma que «não se pode estar à espera agora que o Parlamento legisle à pressa porque o Governo se atrasou».
A deputada do CDS considera, porém, que se está perante «um problema sério» que vai obrigar os jornalistas que querem escrever sobre processos judiciais que não estão em segredo de Justiça «a submeterem-se a um visto prévio» inaceitável.
De acordo com o regulamento que entrará em vigor este mês, os órgãos de comunicação social que infringirem a proteção aos dados de envolvidos em processos judiciais incorrem em processos de contraordenação. Mas Vânia das Dias da Silva diz que não é claro que coimas serão aplicáveis. «Como é que se aplicam coimas sem haver lei? A CNPD pode sempre aplicar o regime geral das contraordenações, mas isto levanta vários problemas jurídicos», faz notar a centrista.
No PCP também há dúvidas sobre este reforço da proteção da identificação dos envolvidos em processos judiciais e a forma como poderá colidir com o direito à informação e a liberdade de imprensa. «É uma questão que tem de ser vista», admite o deputado António Filipe, que já requereu uma audiência à API para conhecer «mais em pormenor» as dúvidas desta organização e admite a realização de outras audições durante a discussão do diploma na especialidade. «Temos de ouvir mais para entender», reconhece.
No PS frisa-se que «a proposta de lei não pode contrariar o teor do regulamento», mas acredita-se que «o próprio regulamento comporta margem suficiente para acautelar o direito à informação». Pedro Delgado Alves admite, no entanto, «afinar a forma como o diploma está redigido», caso se entenda que sem essa clarificação possa haver uma interpretação que colida com a liberdade de imprensa. De resto, Delgado Alves admite que o PS está consciente dos alertas feitos pela API para as consequências de não alterar a forma como está redigido o artigo 24 da nova legislação sobre proteção de dados. «Fomos alertados para eventuais dificuldades», afirma o deputado socialista, demonstrando abertura para discutir outras formulações jurídicas durante a discussão do diploma na especialidade.