No verão de 1946 – fruto da fusão entre o Chelas Futebol Clube o Marvilense Futebol Clube e o Grupo Desportivo “Os Fósforos” nascia o Clube Oriental de Lisboa, clube histórico do futebol em Portugal. Conhecido apenas como o Oriental ou COL, diz no seu lema ser “Mais do que um clube, uma paixão”. Um lema que se percebe quando se fala com quem por lá passou e nunca de lá saiu.
“É um clube que marca”, sentencia José Peseiro, quatro anos jogador e três anos treinador do Oriental. “O espaço onde está, o bairro onde está. Foram quatro anos fantásticos. A vivência, as pessoas estão aqui connosco, a forma como se vive o clube, a forma como nos víamos era uma família”, acrescenta o atual treinador do Vitória de Guimarães ao i.
O técnico, que esteve “10% da vida” no Oriental está de regresso ao Estádio Eng.º Carlos Salema a um sábado de manhã para a reunião e confraternização anual de antigos e atuais jogadores, associados e todas as demais pessoas ligadas à família orientalista.
Uma família numerosa, que à semelhança de Peseiro, se emociona no regresso a “casa”. Como por exemplo Azevedo, que apesar de ter ido para o Oriental por motivos que não futebolístico se tornou uma das referências do emblema. “Vim do Barreirense para o Oriental com a intenção de me arranjarem emprego para o banco”, conta, explicando que por ser do clube “facilitava”. Isto porque o presidente do Oriental “era o Nobre Alves e trabalhava no Banco Português do Atlântico”.
O guarda-redes, ídolo de Artur – responsável de “O Tasco Não Venhas Tarde”, em Marvila e um dos entusiastas dinamizadores da iniciativa – que lhe seguiu as pisadas ente os postes do emblema grená, conta que este é um clube com uma “mística diferente”, porque em qualquer “lado a gente tinha os simpatizantes a apoiar. De Norte a Sul”.
Apesar de já alguma idade e alguma relutância, quando foi a altura do jogo de convívio, assumiu o seu lugar na baliza e mostrou que quem sabe não sabe esquece. Apesar de ser a brincar e de a forma física de muitos já ter sido melhor, o empenho foi grande e vestir a camisola do clube é um orgulho evidente.
É este apoio do público que também lembra Alfredo, um dos talentos que passou pelo Campo Eng.º Carlos Salema. “Aqui estava tudo cheio” e o “Oriental continua a levar muita gente a acompanhar”, assevera. “É um clube de bairro e depois há aquela mística que o Oriental tem, que muitas equipas não têm”, garante.” Íamos jogar a qualquer lado e iam autocarros e autocarros com pessoas aqui de Marvila e dos arredores”, lembra aquele a quem chamaram o “Cruyff de Marvila”.
“Deram-me a alcunha porque eu era muito parecido com ele. Mas fisicamente. Não era a jogar”, brinca Alfredo, que jogou três anos no Oriental depois de passar por vários clubes e de ter feito a tropa em Angola – na altura jogou no Sporting de Luanda. “Quando voltei vim para o Oriental. No primeiro ano vivi do futebol. Depois houve um colega meu, o José Carlos, que infelizmente já morreu, que era empregado no Banco Pinto e Sotto Mayor que me arranjou um emprego no banco”, conta. “Saía do banco e vinha treinar. Todos os dias”.
A subida de divisão Tal como o emprego num banco e as grandes enchentes no estádio e numeroso acompanhamento fora de casa, Alfredo partilha com Azevedo a memória do jogo da última subida à primeira divisão já nos anos 70.
Na época 1950/51 a equipa da Azinhaga dos Alfinetes, recém-promovida à primeira divisão, conseguiu rivalizar com os grandes e terminou em quinto lugar. Seguiram-se subidas e descidas, e um interregno de 15 anos, até que, em 1973, o Oriental consegue a última subida à primeira divisão.
“Foi no último jogo da Liguilha em que subimos de divisão. Foi aqui neste campo contra o União de Coimbra. Foi uma coisa que nunca mais sai da memória. Só fiquei em truces”, conta ao i o “Cruyff de Marvila”.
O primeiro internacional Também Amílcar revela este é o jogo que mais tem na memória e “nem participei. Cruzamento do Luciano e o Candeias fez o golo que deu a subida do Oriental. O jogo que mais me marcou nem sequer estava a jogar”, conta o jogador que teve a “felicidade de ser o primeiro internacional deste clube”. Amílcar, que jogou os dois anos durante os quais o Oriental esteve na primeira divisão – voltaria a descer em 1975 não mais tendo conseguido lá chegar – jogou 12 vezes como internacional AA e fez a formação toda no Oriental. “Nasci aqui, fui criado neste campo. Quando cheguei à idade de poder jogar comecei a jogar”, relata.
Antes “vinha para aqui com o meu primo que era sapateiro e roupeiro. Em vez de ir para a escola vinha para aqui o dia todo”. Ali, ao pé de casa – nasceu no Beato – , fez “muita cal para marcar o campo do Oriental. Ajudava a coser as meias, a arranjar as botas”.
O jogador, que sempre foi profissional de futebol, diz que embora “tenha uma grande simpatia por todos os clubes” em que jogou tem “um sentimento diferente para com o Oriental”, porque, “primeiro, é o meu clube”.
Daí que tenha vindo do Algarve, onde agora mora, para participar, de forma efusiva, bem disposta e brincalhona neste convívio. De não tão longe – do Barreiro – veio Viriato, para quem “isto aqui é bom para reviver os bons momentos”.
O defesa central opina que “é sempre bom” ver pessoas “que não se vê há dez, 20 anos”. Viriato jogou 15 anos no Oriental e afirma que “isto de jogar no Oriental não era para todos. Para quem não era aqui da zona era um bocado difícil”.
Opinião partilhada por Faragona, que jogou no Oriental desde 1957 até 1967, desde principiante até às primeiras categorias. “Os jogadores naquela altura pareciam uma família porque era tudo dos arredores. Entre Chelas, Marvila e os Olivais”. O também defesa central conta que em 1967 teve “umas divergências com a direção do Oriental” e deixou de jogar no clube. “Naquela altura, como trabalhava aos sábados, pedi uma quantia, mas eles não foram nisso. Mais tarde, em 67, contrataram dois jogadores que eram do Sporting e a gente fomos corridos. Tive muita pena”, recorda.
“Mas o Oriental ainda é um clube que tem uma aura diferente”, afirma e daí o regresso para este convívio. Faragona ainda se equipa e sobe ao campo para o jogo de convívio numa manhã de sábado solarenga, mas “é um bocado difícil”, por causa das artroses e essa coisa toda”.
Uma festinha ao árbitro Também corrido, mas por razões diferentes foi “Xangai”, que ganhou a alcunha pelo bairro de onde é, mesmo ao lado do estádio. “Sou filho daqui. Joguei desde iniciado até ser irradiado” do futebol “porque fiz uma festinha ao árbitro assim na cara.” A história é assim resumida: “Ele expulsou-me e eu disse assim: ‘Eu vou para a rua mas você leva uma grande pera’. Ele pôs-se em bicos de pés e gritou: “RUA”. Eu puxei da culatra e fui logo para a esquadra do Beato. Equipado e tudo”.
“Xangai” conta que naquele tempo “o futebol era um bocadinho diferente do que é hoje”. O campo “era pelado” e tenho “as pernas todas lixadas derivado disso. Agora há quem se faça ao penálti em voo. No nosso tempo era gravilha, ninguém se mandava para o chão. As bolas eram daquelas de encher e quando chovia estavam muito pesadas e jogar de cabeça era difícil”.
Mas nada que a paixão e o amor ao clube impedisse. “É um clube com tradição e espero que as pessoas não deixem isto acabar. Acredito muito nesta direção, que são pessoas que adoram o Oriental e isso é meio caminho andado para haver sucesso”, afiança Amílcar. Também Viriato considera que a “perspetiva para o futuro do Oriental é boa” porque tem um presidente capaz, “que gosta do Oriental. Porque isto aqui só quem gosta”.
E todos os que no sábado tiveram no convívio mostravam no campo e fora dele o quanto gostam do Oriental e uns dos outros. Conhecem-se, abraçam-se, brincam. E jogam à bola. Pelo Oriental.
“É um conjunto de emoções ver a nossa segunda família, que é a família do futebol”, resume José Peseiro, para quem o futebol “vive de emoção, vive da História”, como bem o mostra a grande família do Oriental. “Uma pessoa nunca deixa de ser orientalista”, garante Viriato. “Oriental é sempre. Isto é uma paixão”.