O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu remeter para Luanda o processo do ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, acusado de ter corrompido o antigo procurador Orlando Figueira para que este arquivasse inquéritos que o visavam.
A decisão surgiu na sequência de um recurso apresentado pela defesa de Manuel Vicente – conduzida pelo advogado Rui Patrício – e teve em conta duas questões. A primeira era a de que a imunidade de que goza Manuel Vicente em Angola deveria ser reconhecida pela Justiça portuguesa; a segunda, caso não fosse dado provimento à primeira, era a de que seriam os tribunais angolanos os mais indicados para julgar a parte da Operação Fizz relativa ao ex-número dois de José Eduardo dos Santos.
No acórdão, os juízes consideram que a Justiça portuguesa não tem de reconhecer a imunidade de que o arguido (ainda que não formalmente constituído) goza em Angola. «Não havia indicação de que algum ato processual tivesse sido praticado com violação de imunidade que o direito internacional reconhecia ao recorrente no período em que ele exercia funções de Vice-Presidente da República de Angola», referem os juízes, concluindo por isso que não se pode falar de qualquer vício.
Na decisão fica ainda claro que a imunidade de que goza Manuel Vicente em Angola mesmo já não sendo vice-presidente só tem de ser respeitado naquele país.
«As normas legais e constitucionais de Angola que conferem imunidades e privilégios de foro ao vice-presidente da República ou ex-vice-presidente da República de Angola são obrigatórias para as autoridades judiciárias angolanas mas não as portuguesas que só tem que respeitar as imunidades e privilégios que resultem das suas leis e das normas e princípios do direito internacional geral ou comum ou das normas», lê-se.
Se, por um lado, não houve erros da Justiça portuguesa até aqui em considerar que a imunidade de Vicente não se aplicava, por outro a Relação considera que o julgamento deve continuar em Angola contrariamente ao que decretou a primeira instância. «Quer o interesse da boa administração de Justiça, quer o interesse da reinserção social em caso de condenação justificam que seja delegada na República de Angola a continuação do processo 333/14.9TELSB contra Manuel Domingos Vicente», decidiram os juízes Cláudio de Jesus Ximenes e Manuel Almeida Cabral, da 9.ª secção da Relação de Lisboa.
O Tribunal explica mesmo que qualquer delegação do procedimento criminal visa alcançar dois objetivos: em primeiro lugar «o exercício do direito de cada um dos Estados, de perseguir criminalmente quem viole a sua lei penal, através de boa administração da Justiça ou, em caso de condenação, melhor reinserção social, ultrapassando dificuldades decorrentes de o arguido ou suspeito se encontrar fora do seu alcance, em território estrangeiro»; em segundo, «garantir que o arguido ou suspeito nacional de um dos Estados signatários contra quem esteja a correr ou possa vir a correr processo crime obtenha boa administração de Justiça».
Contrariamente ao que foi decidido em primeira instância, a Relação considera que Angola tem condições para uma boa administração da Justiça e «condições mais adequadas para a reinserção social em caso de condenação».
«Constitui má administração da Justiça deixar o processo permanecer em Portugal num impasse e num ‘nó internacional e processual, com prejuízo para todos», lê-se.