Como viu a mudança de estratégia do PS em relação ao chamado ‘caso Sócrates’?
Acho que era uma mudança que tardava e ainda bem que desencadeou uma reflexão entre os militantes socialistas. Essa reflexão deve ser feita de forma séria nos órgãos próprios do partido e no momento adequado. Mas obviamente que essa reflexão já se iniciou graças aos desenvolvimentos que levaram a direção do partido a tomar as posições que tomou.
Houve expressões fortes como ‘vergonha’ ou ‘raiva’…
São expressões, do meu ponto de vista, perfeitamente adequadas e há muito mais ainda que tem de se analisar. Não podemos ficar-nos pela retórica, porque aquilo que importa é que o PS mostre aos portugueses que não vai mais tolerar aquilo que no passado, de alguma maneira, tolerou, deixou passar ou não viu. Isso não pode acontecer mais e por isso é que eu digo que o esforço de reflexão só agora começou. É preciso que essa reflexão seja mais profunda. Não são só as palavras que até agora foram proferidas que limpam o que aconteceu.
O PS demorou três ano e meio a assumir esta posição em relação a José Sócrates. Encontra alguma explicação para que a direção do partido não tenha assumido esta posição mais cedo?
Naturalmente que isto não se passou alheado de interesses ligados ao centrão que dominaram muitas vezes a vida pública no nosso país e que procura dominar mesmo quando não está no poder. E também porque havia uma clara relutância em assumir que os problemas eram tão profundos como aquilo que veio a público. Ninguém sabia, eu não sabia… Podia ter algumas inquietações, mas não sabia de todo a extensão do que já veio a público e vamos ver o que é que ainda vamos saber mais. Daí que eu diga que é necessário que a reflexão seja profunda, séria e dê sinais claros ao país de que o PS não vai deixar que isto se repita. É preciso que sejam tomadas medidas no plano do escrutínio interno do PS, bem como no plano externo. Lembro que o socialista João Cravinho em tempos propôs um pacote de medidas contra a corrupção.
João Cravinho já disse não houve vontade política de implementar essas medidas anticorrupção.
Essas propostas foram combatidas de todas as formas e feitios, designadamente pelo Governo de Sócrates. Muitas delas são pertinentes e necessárias e não foram ainda implementadas. Não temos mecanismos eficazes de combate à corrupção no nosso país e não temos mecanismos eficazes de combate à corrupção dentro dos próprios partidos, designadamente dentro do PS, como este caso demonstra. Há muitos elementos do pacote de João Cravinho que deviam ser retomados e revisitados.
Tenciona abordar este assunto no congresso do PS?
Eu nunca disse que este tema devia ser o tema principal do congresso. Acho é que não é possível fazer-se um congresso sem discutir essa questão. Ela vai ser discutida. Mesmo que ninguém fale nela esta será sempre uma questão abordada à volta do congresso. Este caso não podia continuar a ser evitado pelo PS. Ainda bem que não foi e ainda bem que a direção do partido assumiu esta posição. Eu, pessoalmente, acho que esse é um aspeto essencial. Se o PS quer ser credível aos olhos dos portugueses nas propostas que apresenta para o futuro do país, que vão ser obviamente o principal objeto do congresso, não pode deixar de se comprometer com mecanismos internos e externos de combate à corrupção. É uma questão vital para o país e é uma questão vital para a credibilidade do PS.
Acha que a decisão de José Sócrates beneficia o PS?
Sim. Foi bom para o PS [Sócrates desfiliar-se].