Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, defendeu ontem durante uma audição no grupo de trabalho sobre o alojamento local (AL), na Assembleia da República, a implementação de diferentes quotas para esta prática consoante as zonas da capital, o que se traduz num processo flexível de concessão de autorização de funcionamento gerido pelos municípios.
“Estamos a chegar a um momento em que o atual quadro legal do AL está esgotado”, disse o autarca. O processo em vigor atualmente, implementado pelo anterior governo, “tinha como objetivo fundamental proceder à legalização de tudo o que era subaluguer de casas e quartos, uma realidade que tem muita expressão em muitas cidades do país”, como Lisboa, Porto e Coimbra.
Mas se alguns consideram que o alojamento local é um dos principais problemas de Lisboa, Medina não concorda: “É tempo de nos afastarmos do debate político destas leituras muito simplistas contra ou a favor do alojamento local. É uma leitura que não faz sentido nenhum.”
O que Medina defende é a criação de um processo de autorização dada pela autarquia que, com base num sistema de quotas, iria distribuir os imóveis para AL pelas várias freguesias do concelho de Lisboa, de forma a evitar discrepâncias entre as zonas. “Lisboa, para ter sucesso do ponto de vista da oferta turística, tem de se articular com outras zonas e expandir-se”, disse, reforçando que seria um erro “fazer uma legislação que restringisse e apertasse, não atendendo a uma diversidade das situações locais”, quer as atuais quer as que possam aparecer no futuro. E, por isso, propõe ainda que o processo seja flexível. “Não [devemos] ancorar isto nos PDM, nos programas de pormenor, nos elementos de natureza administrativa”, afirmou, rematando que “quanto mais flexível ficar, melhor.”
Para além da autorização, Medina mostrou-se favorável ao aumento dos valores do condomínio para os proprietários que utilizem o imóvel para AL e a criação de uma caução na câmara para compensar eventuais multas e gastos da autarquia com os inquilinos. “A grande dificuldade é que a coima incide sobre alguém que no dia seguinte, provavelmente, já lá não está”, reforça Medina.
Também a possibilidade de retirar a autorização de AL aos imóveis que tenham gerado, por parte dos vizinhos, queixas junto das autoridades foi uma opção sugerida, principalmente porque é um sistema que já tem vindo a ser adotado nas plataformas de arrendamento, como o Airbnb.
Medina deixou ainda um aviso ao grupo de trabalho do parlamento para que não alterasse a classificação urbanística dos AL, uma vez que, com o sistema de quotas que defende, estes espaços poderiam facilmente alternar entre AL e imóveis de arrendamento a longo prazo, sem que fosse necessária a sua atualização nos serviços administrativos da autarquia, evitando que o imóvel permanecesse vazio nesse período.
Desertificação não é de agora
Sobre a questão dos despejos que têm assolado a cidade de Lisboa, Medina não culpa o alojamento local. A pressão sobre os residentes “é real e existe, mas convém não esquecer que, se tomarmos como análise a Baixa de Lisboa – o que é hoje a [freguesia] Santa Maria Maior –, a grande década de perdas populacionais está nas décadas de 70 e 80”, explicou Medina. “É aí que as antigas freguesias do centro conhecem este grande processo de desertificação.”
No entanto, o presidente da câmara não descurou a necessidade de manter as zonas da cidade “capazes de assegurar as suas múltiplas funções”. “Um bairro que seja só um bairro onde haja alojamento para turistas não é aceitável do ponto de vista de uma cidade e rapidamente não só expulsa os seus residentes – que devem ser protegidos –, mas também perderá, a médio prazo, o seu valor como ativo turístico numa cidade”, afirmou.
Mesmo assumindo que o crescimento do turismo, por um lado, e a Lei do Arrendamento, por outro, tenham contribuído para uma maior pressão nos bairros históricos, Medina reforça também que foi este aumento do AL que “acelerou o processo de reabilitação urbana e de inversão do processo de degradação e até isolamento de muitas zonas nos bairros históricos de Lisboa”.
Problema de Lisboa não se aplica a Faro
À semelhança de Medina, Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, defendeu que os municípios deveriam ser responsáveis pela regularização do AL. Porque se, em Lisboa, o AL está a criar problemas pela sua exponencial expansão, em Faro, o problema é precisamente a falta de casas. “Nós não temos problema em termos de bairros ou zonas só com AL”, explicou Bacalhau, “nós temos um problema de falta de alojamento”. O autarca denuncia que desde 2008 não existe construção no concelho, criando problemas de falta de oferta.
Sobre a possibilidade de colocar a decisão da utilização do imóvel para AL à votação do condomínio, o presidente de Faro alertou para a possibilidade de conflitos na vizinhança porem em causa a autorização de funcionamento. “Se as regras que estão em cima da mesa forem aprovadas, certamente vamos voltar ao ano de 2013, em que muitas destas atividades passam para a clandestinidade ou deixam mesmo de existir”, alertou.