Eduardo Ferro Rodrigues faz política há mais de 50 anos, mas é sócio do Sporting há 68. No entanto, ontem, toda a sua indignação sobre o caso das agressões aos jogadores do Sporting Clube de Portugal vinha do seu estatuto de presidente da Assembleia da República, segundo na hierarquia do Estado, como o próprio sublinhou aos jornalistas. E a indignação era audível nas duras palavras empregues e visível no rosto carregado e na tensão do corpo.
“Aquilo que se passou ontem em Alcochete é uma situação gravíssima que ofende os portugueses, que ofende o desporto português e que ofende o país, pelas repercussões internacionais que já teve. E que ofendeu fisicamente um conjunto de profissionais que ao longo de muitos anos se bateu pelas cores do clube que representa”, disse Ferro Rodrigues.
O Presidente da República também sublinhou esse lado da má imagem que o episódio traz ao futebol português e ao país. “Tenho o sentimento de alguém que se sente vexado pela imagem que se propaga em Portugal e no mundo. Vexado porque Portugal é uma potência no desporto e no futebol profissional. Vexado pela gravidade do que aconteceu”, referiu o chefe de Estado, acrescentando que “são acontecimentos graves, que não podemos banalizar”.
“É absolutamente intolerável este crescente aumento de violência no desporto”, afirmou, por seu lado, o primeiro-ministro. “Estas situações ocorrem porque houve uma infiltração grande no mundo do futebol, de comportamentos que são inaceitáveis e nada têm a ver com o desporto e que têm de ser banidos”, acrescentou António Costa.
Para Ferro Rodrigues isto é o resultado de algo que ele já tinha procurado alertar em abril, “numa jornada em que estava o presidente do Sporting que, depois, à tarde, quando eu já não estava, aproveitou para fazer mais uma daquelas intervenções extraordinárias, entre aspas, que é habitual”. Nessa ocasião, Ferro Rodrigues alertara para “a perversidade autoritária e totalitária de dirigentes, em mistura com uma comunicação social fanática que gosta de explorar até ao pus tudo o que acontece ao sábado e domingo nos campos de futebol”, acrescentou o presidente da Assembleia, para quem há “membros de claques organizadas como grupos terroristas”.
Ferro Rodrigues não evocou o nome de Bruno Carvalho, apesar de dele ter falado, e estendeu as acusações para “todos aqueles que contribuem, lamentavelmente, para aquilo que tem sido o ódio, a violência, o fanatismo, a corrupção no futebol português. Não são só de um clube, são de vários, conhecem em parte os seus nomes”.
E o presidente do parlamento permitiu-se até a soltar uma pequena ferroada para a justiça: “É bom que as autoridades judiciais, sempre prontas para investigar, e bem, os políticos, também investiguem, e bem, os dirigentes desportivos e aqueles que fazem do futebol português esta desgraça.” Incluindo, referiu, “aqueles que fazem do Sporting Clube de Portugal esta miséria que estamos a viver hoje”.
António Costa falou em alterar a lei para estas situações, salientando que “desde há vários meses temos trabalhado com a Federação Portuguesa de Futebol, com outras entidades, tendo em vista fazer a avaliação da lei contra a violência no desporto”. O primeiro-ministro considera que “é necessário reforçar as medidas e, designadamente, avançar para uma Autoridade Nacional contra a Violência no Desporto que permita agir também nestas situações”. O líder do governo considera que é preciso “dotar” o país “dos meios legais necessários para banir este tipo de comportamento”.
Para o Presidente, aquilo que não pode haver é “dois Portugais, um que vive num Estado de direito democrático e outro que vive à margem do Estado de direito democrático”. Porque, segundo o chefe de Estado, as leis existem, mas “há um clima de serenidade que é preciso criar”. É importante que se perceba, sublinhou Marcelo, “que o clima criado ao longo dos tempos, que já foi até debatido no parlamento, não pode continuar, sob pena de uma escalada que vai destruir o desporto português”. Chegou o “momento de travar a escalada”, acrescentou o Presidente. “Se não for agora, quando tiver de ser travada será por meios mais drásticos e penosos”, concluiu.
Final da Taça
Ninguém pode “ficar de forma alguma impune”, disse Costa, que classificou os acontecimentos de Alcochete como uma “selvajaria”. No entanto, o chefe do governo sublinhou que é preciso esperar até segunda-feira, depois da final da Taça de Portugal, entre o Sporting e o Desportivo das Aves, para agir.
“Tudo deve ser feito para que a época termine com normalidade, com a final da taça no próximo domingo disputada”, sublinhou o primeiro-ministro. No entanto, quer Marcelo, quer Ferro Rodrigues, não se mostram muito entusiasmados com a perspetiva de que o jogo se venha a disputar como se nada fosse, como se uma cinquentena de adeptos encapuzados não tivesse invadido as instalações de um clube de futebol e agredido jogadores e equipa técnica.
De acordo com o “Diário de Notícias”, o chefe de Estado está mesmo a ponderar a possibilidade de não se sentar ao lado de Bruno Carvalho na tribuna presidencial do Estádio Nacional, no Jamor. A Presidência da República está a analisar a dúvida protocolar e, por agora, Marcelo não se quis ainda pronunciar sobre o assunto.
Ferro Rodrigues, por seu lado, embora sublinhando “que a decisão sobre a realização da final da taça compete à Federação Portuguesa de Futebol”, diz que não se “chocaria que fosse feita à porta fechada ou que fosse feita na Vila das Aves”, demonstrando que “não se trata de um mero caso de polícia”, mas algo mais profundo. “Não se pode partir para a preparação desta final da Taça de Portugal como se nada tivesse acontecido, como se tivesse sido apenas um caso de polícia. Não, não foi um caso de polícia, foi um caso gravíssimo que põe em causa o desporto português, põe em causa o Sporting Clube de Portugal e pôr em causa o próprio país”, sublinhou o presidente da Assembleia da República.