As presidenciais venezuelanas deste domingo, aparentemente decididas à partida e, ainda assim, realizadas numa das mais profundas crises da sua História, ocorreram num tom fúnebre, como se de um movimento corporal involuntário se tratassem.
A oposição, fraturada e desanimada, não tem força já para grandes protestos em Caracas. Estavam agendadas algumas manifestações, polvilhadas pelo país, já para depois do fecho desta edição, mas, em todo o caso, nada de semelhante aos grandes movimentos do verão do ano passado.
Nas ruas semidesérticas deste domingo, não se avistava o júbilo do oficialismo ou a revolta da oposição. A declaração mais reveladora não era de Nicolás Maduro, que passou o dia a tentar evitar uma abstenção humilhante. Pertencia a Carlos Rincones, que falou aos jornalistas em Valencia, que, antes da crise, era um dis centros da indústria venezuelana. “Tenho fome e estou desempregado, mas coninuo com Maduro.”
Maduro vencerá. Em parte, porque o oficialismo controla todas as operações do Estado e há um ano fez um dos mais descarados e bem sucedidos golpes institucionais de que há memória, substituindo a Assembleia Nacional de maioria opositora por um novo órgão controlado por si. Vencerá também porque a oposição, que não pôde apresentar os seus dois mais conhecidos nomes – Henrique Capriles e Leopoldo Lopez –, não resistiu ao golpe do Partido Socialista Unido e caiu nos últimos meses na desagregação.
Sem projeto, líder e esperança, a Mesa da Unidade Democrática (MUD) optou pelo boicote. Atravessando uma profunda escassez de produtos e uma economia em queda livre, a oposição desiste. “Vou votar porque a oposição não tem qualquer proposta para o que devemos fazer quando hoje assistirmos à vitória de Maduro”, contava à Reuters Luisa Marquez, professora, também em Valencia.
A abstenção que a MUD convocou, todavia, parecia este domingo cavalgar com alguma força. Nos locais de voto não se avistavam as filas de sempre, salvo em alguns subúrbios ainda fiéis ao autointitulado “filho de Chávez”. Às dez da manhã locais, o governo anunciou que já 2,5 milhões de venezuelanos haviam votado – 12,5% dos 20 milhões de eleitores. Poucos acreditam nas suas palavras e a abstenção, cujos valores ainda não haviam sido anunciados à noite – e que, em todo o caso, serão duvidosos –, ficará certamente abaixo dos 80% das últimas presidenciais.
Por volta das 13h locais, os opositores afirmavam que só 12% dos venezuelanos havia votado. Este número tão-pouco é fiável: a oposição, apanhada de surpresa e em parlisia com as eleições antecipadas, não enviou observadores para todos os postos.
Pelo marasmo eleitoral do dia deste domingo, ouviam-se quase em sussurro as queixas de Henri Fálcon, o único candidato relevante para além de Maduro, contra o que dizia ser 350 infrações eleitorais – sobretudo propaganda partidária e ofertas governamentais de comida e dinheiro perto das urnas. Fálcon, que desobedeceu às indicações da MUD, tentou mobilizar o oficialismo descontente com Maduro, a quem chamou o “candidato da fome”.
Contra o boicote da oposição e o poder do Estado, Fálcon dificilmente podia contar com uma vitória surpresa. Captará os votos de eleitores como Luisa Marquez. Pouco mais.