Compra da Media Capital. Altice está confiante mas fala em “limite de razoabilidade”

Alexandre Fonseca diz que compra da dona da TVI é “um processo de iniciativa privada, legal e transparente” e que o grupo não está em Portugal para “fazer política”

Apesar de a Altice manter o interesse em comprar a Media Capital e estar convencida de que a operação irá avançar, o CEO da operadora já veio admitir que há um limite, que é o “limite da razoabilidade”. Alexandre Fonseca, que ontem esteve a ser ouvido no parlamento, na Comissão de Economia, lembrou aos deputados que está à espera há quase um ano da aprovação do negócio, avaliado em 440 milhões de euros.

“O tempo que já mediou da nossa intenção da transação até agora aproxima-se da data de um ano”, disse o presidente da operadora, acrescentando ainda que “isso poderá ser um limite que não poderemos estar disponíveis para ultrapassar”.

Outro limite de razoabilidade, de acordo com o responsável, seria se “viessem a ser definidas um conjunto de obrigações que nos limitassem na capacidade do nosso projeto”, apontou o gestor. “Iremos aguardar até que seja razoável. Não vamos desistir, estamos convictos de que o negócio vai ser concluído, estamos convictos de que vai ser permitido” e que a operação de compra da dona da TVI vai “levar o setor dos média portugueses para um nível superior”, sublinhou.

Para Alexandre Fonseca, a compra da dona da TVI insere-se nos objetivos estratégicos do grupo e mostra um compromisso de investimento no nosso país. O responsável da operadora lamentou ainda as críticas que têm sido feitas em torno deste negócio, lembrando que se trata de um “processo de iniciativa privada, legal e transparente”. 
Ao mesmo tempo chamou a atenção para o facto de o negócio estar sob a alçada de três reguladores que, no seu entender, são considerados “competentes” para avaliar a operação. “O negócio tem de ser analisado e avaliado num ambiente de tranquilidade”, salientou.

Afasta despedimentos No caso de o negócio avançar, Alexandre Fonseca afasta um eventual cenário de despedimentos. “Temos o compromisso de investir num setor que enfrenta uma profunda crise”, referiu.

“Aquilo que posso dizer é que o nosso projeto passa por um projeto de investimento, estabilidade”, afirmou o gestor. E apresentou como exemplo o investimento que o grupo tem feito nos últimos anos no mercado nacional. De acordo com o responsável, a Altice tem sido uma das empresas que mais têm investido em Portugal. E deu números: foram investidos 1200 milhões de euros nos últimos três anos e criados quatro mil postos de trabalho.

Relativamente à situação laboral na Altice Portugal, Alexandre Fonseca adiantou que “uma dezena de colaboradores já abandonaram” os processos que tinham contra a empresa. E deixou uma garantia: “A estabilidade laboral e a paz social é uma das preocupações da empresa desde que assumi funções, há seis meses.”

Remédios Já em relação aos remédios que foram apresentados à Autoridade da Concorrência, o responsável disse apenas que estão a ser discutidos detalhadamente com a AdC, recusando-se a adiantar pormenores. “Têm acima de tudo como objetivo dar conforto adicional às preocupações levantadas pelos operadores concorrentes e pela própria Concorrência.” 

“Não sentimos que fossem estritamente necessários para viabilizar a concentração”, mas avançou com as propostas de compromissos. “Nessa mesma perspetiva apresentámos um conjunto de remédios para dar conforto adicional em temas como pluralidade e diversidade, exclusividade de canais, plataformas abertas, reciprocidade, publicidade, órgãos de gestão, concessão de serviço público”, disse, deixando novamente a garantia de que “pretendemos manter pluralidade, diversidade e colaboração com autoridades que se devem pronunciar”.

Recorde-se que, a 15 de fevereiro, a AdC decidiu abrir uma investigação aprofundada à compra do grupo Media Capital pela Altice por existirem “fortes indícios” de que a operação poderia resultar em “entraves significativos” à concorrência.

Ataca operadores A verdade é que esta operação está longe de ser pacífica. As operadoras concorrentes – NOS e Vodafone – também já foram ouvidas pelos deputados e ameaçaram avançar com providências cautelares para travar o negócio.

O CEO da NOS chegou a admitir aos deputados que “o pior dos cenários” no âmbito da proposta de compra é a aprovação do negócio com remédios. “Parece-nos que o pior dos cenários é o de o regulador aprovar [a operação] com remédios. Depois vamos acordar um dia, daqui a uns meses ou daqui a uns anos, e perceber que os remédios não servem para nada”, disse, acrescentando ainda que “uma aprovação com remédios seria uma hipocrisia porque não é possível definir remédios que sejam eficazes.”

No entender do responsável, “é impossível definir remédios eficazes” e, a avançarem, seriam “remédios comportamentais” que, no seu entender, seriam “vagos e com conceitos indefinidos num setor que está em constante mutação”. “Seriam eficazes hoje, mas ineficazes amanhã”, reforçou.

Durante a audição e no final da mesma, o presidente da Altice Portugal teceu por várias vezes duras críticas à concorrente NOS, liderada por Miguel Almeida, sem nunca citar o nome da operadora, acusando-a de “falta de cortesia e ética” por ter revelado um documento aos deputados com um conjunto de informações confidenciais. Este documento continha os remédios propostos, com uma análise dos mesmos. 

Além de levantar a questão deste documento, Alexandre Fonseca ainda relembrou declarações de Miguel Almeida, na comunicação social e ainda no próprio parlamento, que diz serem lamentáveis, já que acusa o governo e o regulador das comunicações de fraude. Trata-se, no seu entender de “postura agressiva, lamentável”, acusando ainda Miguel Almeida de criticar o negócio mas, ao mesmo tempo, ter deixado a ideia de que a NOS responderia caso a concentração fosse aprovada. “É uma postura agressiva e lamentável de um operador que pretende fazer exatamente o mesmo.”

Daí o presidente da operadora ter referido várias vezes que “estão salvaguardados os interesses dos consumidores, de todos os portugueses, de todos os distribuidores”, apontando que “existem leis em Portugal” que garantem a independência e a pluralidade no mercado.

“Somos um grupo industrial, não estamos aqui para fazer política”, garantiu, dizendo que “o negócio é totalmente apolítico e apartidário”.

Ainda no início deste mês, o fundador da Altice, Patrick Drahi, revelou estar “muito confiante” no sucesso desta operação. “Estou sempre muito confiante. Nada mudou a minha confiança e não depende de mim, não há nada a fazer a não ser esperar pela decisão” da Autoridade da Concorrência.

Altice. Remédios propostos

Separação
•  A autonomização dos negócios de distribuição de canais, conteúdos, publicidade e televisão digital terrestre, com a garantia dada pela Altice de que estes negócios serão da responsabilidade de empresas distintas dentro do grupo. 
•  Empresa diz que não haverá lugar a exclusividade nos novos e atuais canais da MEO nem discriminação na sua grelha face aos canais e conteúdos de concorrentes. Ao mesmo tempo, garante que não existirão entraves no acesso aos conteúdos fornecidos pelos concorrentes, que não serão também discriminados na grelha da MEO, salvo algumas exceções que venham a ser definidas, nas oito primeiras posições da grelha.

Televisão digital
•  Operadora compromete-se ao acesso em condições de transparência de preço e numa base não discriminatória, o que, aliás, ficou previsto no concurso que atribuiu à MEO a rede TDT.

Oferta
•  Implementar uma oferta regulada de acesso à plataforma da MEO e a outras novas plataformas de televisão durante cinco a dez anos.
•  Como tal, a Altice defende a autonomização jurídica em empresas autónomas das operações de distribuição de canais, conteúdos e publicidade, a disponibilização de oferta regulada de acesso à plataforma MEO durante esse período de cinco a dez anos e a criação de barreiras que impeçam a troca de informação sensível, além de assegurar que irá manter aberto o espaço publicitário do grupo dono da TVI. 
•  Como garantia, diz que vai evitar troca de informação concorrencial através de firewall, mas também limitando a mobilidade de trabalhadores entre as duas empresas.

Monitorização
•  A Altice propõe que seja criada uma figura independente das partes, que se designaria “mandatário de monitorização”, que teria como função a verificação do cumprimento dos compromissos assumidos.
•  No entanto, o grupo defende que esta figura deveria ser alguém com experiência como consultor ou auditor e que funcionaria como ponto de contacto para pedidos de entidades terceiras, nomeadamente os concorrentes da Altice e da Media Capital, como a NOS, a Vodafone, a Impresa ou a Cofina, que se constituíram como contra-interessados no processo de avaliação do regulador da concorrência e que poderão agora pronunciar-se sobre as propostas.