“O meu pai era piloto e eles, antes da descolagem, têm uma coisa que se chama check list. Uma listinha de coisas que têm de estar, os interruptores, as rodas para baixo… recomendo que o governo arranje um ‘check listzinho’ e a cada ministro novo pergunta: o sr. tem alguma empresa com a mulher? Está a receber dinheiro de um amigo? Algum banco lhe está a pagar? E só quando aquilo tiver tudo um vistozinho então é que “sim senhor, pode entrar”.
Desta vez, o comentário humorístico de Ricardo Araújo Pereira no programa “Governo Sombra” sobre o caso da incompatibilidade do ministro Pedro Siza Vieira, que se manteve como gestor de uma empresa familiar depois de tomar posse, parece ter sido premonitório. Fonte do gabinete da ministra da Presidência e da Modernização Administrativa avançou ontem à agência Lusa que o governo quer lançar um guia para futuros ministros e secretários de Estado. A check list vai listar todas as obrigações dos titulares de cargos no governo.
O i tentou obter mais esclarecimentos sobre a iniciativa junto do gabinete de Maria Manuel Leitão Marques, sem sucesso. Na sequência das notícias sobre as funções de Pedro Siza Vieira na empresa criada em conjunto com a mulher dias antes de tomar posse, o Ministério Público já fez saber que requereu acesso às declarações do governante junto do Tribunal Constitucional. O i tentou perceber junto da tutela se, a par desta iniciativa, está a ser feito algum levantamento sobre as declarações dos atuais ministros ou secretários de Estado ou se esta continuará a ser matéria apenas do Tribunal Constitucional e do MP, mas não obteve resposta.
A lei n.º64/93 define as incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Determina por exemplo que a titularidade de altos cargos públicos implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas bem como a integração em corpos sociais de pessoas coletivas de fins lucrativos.
Empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um titular de órgão de soberania ou titular de cargo político ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços ao Estado. Da mesma forma, se for o cônjuge ou qualquer ascendente ou descendente a deter uma participação na empresa da mesma ordem, o acesso a contratos públicos também é vedado.
A mesma lei determina que os titulares de cargos políticos devem depositar no Tribunal Constitucional, nos 60 dias posteriores à data da tomada de posse, a declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, donde conste a enumeração de todos os cargos, funções e atividades profissionais exercidos pelo declarante, bem como de quaisquer participações iniciais detidas pelo mesmo. Compete ao Tribunal Constitucional proceder à análise, fiscalização e sancionamento das declarações: infrações podem levar à perda de mandato no caso de cargos eletivos e demissão nos cargos de nomeação, como é o caso de ministros.
Ao cessar funções, os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos, cargos em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado, desde que, no período do respetivo mandato, tenham sido objeto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual.
Sobre o caso de Pedro Siza Vieira, o primeiro-ministro defendeu que “ninguém está livre de lapsos”. A prevenção destes incidentes, não obstante, deverá sair reforçada esta legislatura.