A cimeira está de novo viva, ressuscitada ontem, ao final do dia, por uma carta que Kim Jong-un redigiu para Donald Trump e lhe chegou em pessoa pelas mãos do general Kim Yong-chol, numa visita à Casa Branca que há quase 20 anos nenhum homem norte-coreano da sua autoridade fazia. Trump anunciou-o momentos depois de receber o documento. «É uma carta muito interessante e a dado momento pode ser que a partilhemos», disse num primeiro momento o líder americano. Minutos depois admitiu que ainda não a havia lido. Pouco importa: Kim e Trump estarão frente a frente no dia 12 de junho em Singapura. Pelo menos até novo aviso em contrário.
O encontro de ontem na Casa Branca não se trata apenas de um momento ornamental. É o mais importante contacto diplomático do regime eremita em solo americano nos últimos 18 anos. Da última vez que uma figura com a autoridade de Kim Yong-chol esteve na Casa Branca, recebeu-o Bill Clinton. Pyongyang não tinha então uma única ogiva nuclear e nem sequer o invólucro metálico para um míssil intercontinental. Demoraria seis anos a preparar a primeira e 16 até completar o segundo.
Na quarta e quinta-feira, Kim Yong-chol encontrou-se com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em Nova Iorque. A cimeira, por outras palavras, já começou.
Sabe-se pouco – quase nada – sobre as negociações desta semana. Os debates rondaram um possível comunicado conjunto para Singapura e, claro, o enigma primordial do apaziguamento: o que é que deseja, afinal de contas, a Coreia do Norte, quando promete abdicar das ogivas e mísseis que levou três gerações de Kim e a inanição de milhões de pessoas a alcançar? Qualquer que tenha sido a resposta de Kim Yong-chol, a Casa Branca parece ter-se apercebido esta semana de que o entendimento não será tão fácil quanto gostariam. Trump, aliás, tenta já reduzir as expectativas: «É muito possível não conseguirmos [um acordo] num encontro, ou em dois encontros, ou em três encontros. Mas a dada altura acontecerá.»
Através das fendas dos preparativos, o regime semeia alianças noutros lugares (ver textos ao lado). É até ao momento o grande trunfo do jovem Kim Jong-un, que ainda não se comprometeu seriamente a nada e tão-pouco começou a esboçar um plano para o suposto desarmamento: no prazo de semanas, Pyongyang angariou o capital político que veio delapidando nos últimos anos de comportamento violento e hoje encontra-se muito perto de ver as suas sanções aliviadas, por muito que Washington o negue. Moscovo já o sugere para o arranque da cimeira. Seul, pelo menos em privado, sugere que um sistema de recompensas graduais, passo a passo, capaz de aliviar a pressão sobre o regime de Kim e proceder com a paragem do programa nuclear e o desarmamento.
Do lado chinês a teoria já está em prática: o comércio entre os dois países está de novo em crescimento, mesmo que isso seja em parte graças às atividades clandestinas de fronteira. «Países rivais com vontade de beneficiar do processo e receber vantagens estratégicas e financeiras estão a esforçar-se para garantir que o desfecho da cimeira os beneficia – assumindo que ela irá em frente», escreve o veterano colunista de assuntos internacionais do Guardian Simon Tisdall.
Kim já colheu frutos de um processo que Trump ainda encara com desconfiança e do qual retira para já apenas artigos de jornal mais bondosos. Mas é Kim, e não Trump, quem domesticamente entrou num jogo arriscado. O Presidente americano está preparado para o fracasso – aliás: já o anunciou uma vez –, mas o jovem ditador recebe presentes envenenados. Se conseguir encontrar-se com Trump, tem de explicar aos generais por que razão decidiu fazer negócios agora com o diabo americano. Se não o conseguir, e o recente apoio vindo de outros países se dissipar, não conseguirá cumprir a promessa de crescimento económico e de que a bomba atómica coreana vencerá a fome.
Pyongyang insiste nas negociações que a sua prioridade é a segurança, mas é difícil imaginar o apaziguamento sem a pressão económica. Para já, a estratégia de Kim resulta sem grandes danos colaterais. «O objetivo da Coreia do Norte é o de desarmar as sanções, e já o estamos a fazer», explica ao New York Times Michael Green, ex-conselheiro de George W. Bush para a Ásia.