Durou pouco tempo a paz interna no PSD. O debate sobre a eutanásia levou Luís Montenegro, que já ameaçou disputar a liderança no futuro, e Santana Lopes, que enfrentou Rui Rio nas últimas eleições internas, a contestarem a forma como o partido geriu este processo.
Carlos Abreu Amorim, ex-vice-presidente do grupo parlamentar nos tempos de Passos Coelho, resume o sentimento dos mais críticos: «Foi uma gestão verdadeiramente desastrosa. Foi tudo atabalhoado. Foi tudo feito em cima do joelho. Sem estratégia e sem sentido político».
Ao SOL, Abreu Amorim não esconde a convicção de que se os deputados do PSD contribuíssem para que a eutanásia fosse despenalizada «seria uma situação verdadeiramente desastrosa» para o partido.
Isso não aconteceu. Os projetos de lei do PS, Bloco de Esquerda, PEV e PAN foram chumbados. Há quem acredite que a história poderia ter sido diferente se alguns deputados sociais-democratas não mudassem de opinião à última hora. Só seis votaram a favor da despenalização. «Foram feitas muitas pressões, e ameaças até, sobre alguns deputados», disse Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, na SIC.
O líder do partido foi o primeiro a condenar, uns dias antes da votação no parlamento, uma «excessiva pressão sobre outros que possam estar no ‘sim’ ou que possam estar com dúvidas». Os críticos esperaram pela votação para se atirarem ao líder. Luís Montenegro – que saiu de deputado, mas continua a fazer comentário político na TSF e na TVI – manifestou, no programa Almoços Grátis, a sua «profunda indignação com a forma desajeitada, desastrosa mesmo, como o líder do PSD enfrentou este debate».
Um dia antes, Santana Lopes, que curiosamente também partilha o seu espaço de comentário com Carlos César, já tinha alertado que «o PSD não pode ser isto». Santana mostrou-se agastado por o líder do PSD estar do «outro lado» no dia em que o centro-direita conseguiu a maior vitória dos últimos tempos. «Não passa pela cabeça de ninguém».
Alguns deputados do PSD, mesmo entre os que estão com Rio desde o início, admitem muitas falhas neste debate. «Falta coordenação entre o presidente do partido e o líder do grupo parlamentar», aponta um deputado.
Houve também quem não gostasse ver o PSD aparecer nesta discussão sem uma posição oficial. Vários deputados concordam que deve existir liberdade de voto, mas isso não devia impedir, à semelhança do que aconteceu com o PS, que o partido assumisse uma posição.
A estratégia de Passos Coelho apontava nesse sentido. Num colóquio sobre a eutanásia, em fevereiro de 2017, Passos deixou claro que «é importante ter a coragem de, no fim do debate, assumir posição». Rio seguiu outra estratégia e muitos questionam o que é que o partido vai escrever no programa eleitoral sobre a eutanásia.
O líder do PSD não respondeu diretamente aos críticos, mas, à entrada para o Conselho Nacional, fez o balanço dos 100 dias à frente do PSD e aproveitou para garantir que a turbulência no partido «está em linha» com aquilo que previa. «Quando comecei na presidência da Câmara do Porto, há 16 anos, foi muito mais turbulento. Até está calmo para aquilo que eu já passei».
Debate sem grande confronto
Com as posições previamente assumidas, o debate que fez parar a Assembleia da República à volta da descriminalização da eutanásia teve pouca troca de palavras. Em parte porque os dois partidos com voto «não» tinham apenas cerca de 10 minutos para intervir. Desta forma, o PCP e o CDS apenas fizeram as suas intervenções, não pedido esclarecimentos a nenhuma das propostas apresentadas pelo PS, Bloco, PEV e PAN.
O momento mais quente do debate foi quando Mariana Mortágua, do Bloco, se levantou para comparar a «consciência individual» do PCP com a de Cavaco Silva, Isilda Pegado, do PSD, e Assunção Cristas.
Para além disso, José Manuel Pureza, também do Bloco, acusou os partidos contra a despenalização da eutanásia de «tornar [os cidadãos] prisioneiros de uma vida biológica que espezinha a vida biográfica». Enquanto André Silva, do PAN, afirmou que «ser-se contra a despenalização da eutanásia é continuar a defender que um ato de bondade é um ato punível». Do PSD, Fernando Negrão assumiu a sua posição contra, numa intervenção em que defendia que os partidos deveriam ter assumido a sua posição em relação ao tema nas eleições de 2015.
Debate volta na próxima legislatura
O debate sobre a eutanásia deverá voltar ao Parlamento na próxima legislatura. Os defensores da despenalização garantiram que não vão desistir e é quase inevitável que este seja um dos assuntos quentes da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2019. Os socialistas prometeram não deitar a toalha ao chão. “É um tema incontornável e inadiável, mais tarde ou mais cedo o Parlamento irá contribuir para mais esclarecimento e mais maturidade, e penso que este foi o início de um caminho que já não terá retrocesso”, afirmou Maria Antónia Almeida Santos. Apesar de chumbados os quatro projetos de lei, a deputada socialista manifestou a convicção de que foram dados “grandes passos no esclarecimento de um tema tão sensível”. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, considerou mesmo, no final do debate, na Assembleia da República, que Portugal “está um passo mais perto de ter a despenalização da morte assistida». O PEV também quer voltar ao tema na próxima legislatura.
Com Filipa Traqueia