Pode dizer-se que há um antes e um depois da queda do Banco Espírito Santo (BES), que levou para as luzes da ribalta, e não pelas melhores razões, milhares de lesados. Muitos destes investiram em papel comercial a pensar que estavam a aplicar o seu dinheiro em tradicionais depósitos a prazo e as dores de cabeça começaram a partir do momento em que quiseram receber o dinheiro. Anos depois, muitos dos lesados ainda não conseguiram reaver as suas poupanças. Mas apesar de ter sido um problema de um banco, a verdade é que o sentimento de insegurança em torno dos produtos financeiros disponibilizados pelo setor acabou por se generalizar.
Esse cenário de insegurança é admitido por António Ribeiro, da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), ao revelar que “as más práticas conduziram a uma grande desconfiança por parte dos investidores sobretudo em relação aos produtos financeiros que são considerados mais esquisitos e que fogem ao padrão normal. Ainda existe desconfiança mas, no momento de investir, a escolha recai mais nos depósitos a prazo”, revela ao i o economista.
Foi esse sentimento que levou Carla Santos a investir todas as suas poupanças nos antigos Certificados do Tesouro Poupança Mais, por achar que o risco seria menor. A explicação é simples: só se o Estado falisse é que haveria perda do montante aplicado. “Tinha dois depósitos a prazo, feitos em alturas diferentes, com remunerações baixas. Com as notícias que foram saindo de bancos em risco de falir, comecei a ficar com receio e optei por resgatar esses dois depósitos, e apliquei tudo nos certificados de dívida pública”, revela ao i.
Hoje continua a achar que foi a melhor decisão e, de futuro, pensa em continuar a aplicar todo o dinheiro que vai conseguindo pôr de parte neste tipo de instrumentos financeiros. “Agora existe outro semelhante, e até conseguir juntar dinheiro vou deixando-o ficar na conta à ordem porque, a prazo, também não rende nada.” Além disso, Carla Santos questiona o tempo que levaria a ter acesso à sua poupança no caso de falência de um banco. “Sei que essa verba estaria abrangida pelo Fundo de Garantia, mas nunca ninguém me disse o tempo que levaria até que voltasse para a minha mão. É uma ideia que sempre me assustou.”
Também foi o medo que levou Pedro Silva a resgatar o dinheiro que tinha num produto mutualista da Associação Mutualista Montepio e a optar por colocar o dinheiro num depósito, na mesma instituição financeira. “Com um depósito, sabia que a minha poupança estaria protegida, mas com estes produtos mutualistas, o risco seria maior.”
Mesmo assim, até tomar essa decisão, o investidor ainda demorou algum tempo. “Foi no verão passado, mas andei a pensar nisso durante uns dois anos. Perdi dinheiro, mas ganhei tranquilidade. Só estou arrependido de não ter feito isso há mais tempo”, confidencia.
Rita Ferreira lembra-se do tempo em que aplicava o seu dinheiro em seguros de capitalização e em fundos de investimento, mas a segurança e a cautela começaram a falar mais alto e, atualmente, pouco ou nada investe neste tipo de produtos. “Realmente são produtos mais atrativos do ponto de vista da remuneração, mas se alguma coisa corre mal corro o risco de perder tudo. Já me deixei disso, agora prefiro menos riscos, mesmo que isso signifique ganhar pouco ou mesmo quase nada. Mas pelo menos sei que o meu dinheiro está lá parado e que posso ir buscá-lo a qualquer momento. Não quero perder o sono, principalmente quando os bancos passam de uma situação de solidez para outra de falência quase de um dia para o outro”, revela a investidora.
Rita tem familiares que foram afetados pelos investimentos que tinham no BES e, por ter acompanhado o desespero de perto, não se quer ver numa situação semelhante. “Nem quero imaginar se isso me tivesse acontecido. Não sei sinceramente qual seria a minha reação, nem sei se aguentaria passar por tudo aquilo que passaram”, confessa ao i.
Investidores mais atentos António Ribeiro garante que os clientes estão hoje mais atentos. Mas, ao mesmo tempo, também se assistiu a uma mudança dos próprios bancos, sobretudo porque a legislação se alterou. O economista recorda que, atualmente, todos os depósitos a prazo são obrigados a ter uma ficha de informação normalizada (FIN) e, como tal, têm de disponibilizar toda a informação e características detalhadas do produto que se está a comercializar.
“O objetivo é evitar o tipo de enganos que houve no passado, para que os portugueses percebam como é calculado o rendimento, a liquidez e o risco dos próprios produtos. Os fundos também facultam este tipo de informação. Esperemos que os erros que se verificaram não se repitam”, refere.
No entanto, lamenta que essa informação ainda não seja uniformizada e padronizada para todos os produtos financeiros. “Um investidor deveria facilmente comparar um fundo com um depósito estruturado ou com um seguro de capitalização. Isso, hoje, ainda não acontece. Por exemplo, no caso dos seguros de capitalização, as apólices ainda são muito difíceis de ler, pelo menos para uma pessoa que não perceba de legislação”, chama a atenção o economista da Deco.
Ainda assim, António Ribeiro garante que continuam a ser cometidos alguns erros principalmente junto do investidor menos instruído, “que é olhar para um produto financeiro e analisar apenas o rendimento, e depois ignora as outras questões, como o risco e a liquidez”. Para o responsável, um dos critérios mais importantes a analisar diz respeito à liquidez, e nem todos os depósitos a têm: “Há depósitos que não permitem a mobilização antecipada e nem sempre as pessoas estão atentas a estes detalhes, e podem precisar desse dinheiro passados uns meses e não podem levantar.”