Marcelo Rebelo de Sousa aguardava o gesto do seu homólogo angolano. Assim que foi anunciado pelo Tribunal de Relação de Lisboa que o processo do ex-vice-presidente Manuel Vicente iria ser transferido para Angola que o chefe de Estado português (e o Governo) esperava que a viagem desta semana à Europa de João Lourenço o trouxesse a Lisboa, nem que fosse para uma escala rápida demonstrativa de que as vicissitudes nas relações estavam realmente ultrapassadas. Tal não aconteceu. Lourenço escolheu França para a primeira visita de Estado e a Bélgica para a segunda.
Se alguma coisa ficou demonstrada pela viagem de Estado do Presidente angolano à Europa, que passou também por Espanha, embora aqui a título não oficial, é que na nova era da política externa angolana Portugal não estará no epicentro. Pode reiterar João Lourenço, como o fez na recente entrevista à Euronews, que tudo está sanado («estamos ansiosos em receber o primeiro-ministro» António Costa em Luanda, disse), mas um gesto, na vida como na diplomacia, vale mais do que mil palavras e esse não aconteceu realmente.
Aliás, com o novo Presidente, Angola pretende diversificar os seus apoios, investir mais nas relações africanas, recuperar os velhos laços franceses, que o processo na justiça sobre a venda de armas ao MPLA durante a guerra esfriaram, e diversificar o investimento. E a escolha de França para a primeira visita oficial como Presidente mostra que Luanda quer ir além do petróleo na relação franco-angolana, contando com o investimento francês na dita diversificação da economia, tantas vezes apregoada e tão poucas vezes posta realmente em prática.
E se falou que a Angola interessa em primeiro lugar a CPLP, o chefe de Estado angolano mostrou vontade de incluir o país noutros palcos: «Não se admirem que estejamos a pensar em pedir agora a adesão à Francofonia e daqui a uns dias estejamos também a pedir adesão à Commonwealth».
Boris Johnson, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, apressou-se a saudar no Twitter a vontade de Lourenço e a convidá-lo implicitamente para visitar o Reino Unido: «É esplêndido que Angola queira juntar-se à família da Commonwealth. O compromisso do Presidente Lourenço com reformas profundas, o combate à corrupção e a melhoria dos direitos humanos é muito bem-vinda. Espero vê-lo muito em breve no Reino Unido», escreveu o chefe da diplomacia britânica.
Os sinais são inequívocos desde o primeiro momento. É preciso não esquecer que no seu discurso de tomada de posse, Lourenço ignorou ostensivamente o nome de Portugal na lista de países a quem Angola iria dar primazia nas relações externas: Estados Unidos, China, Russa, Brasil, Índia, Japão, Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido e até Coreia do Sul fizeram parte de uma enumeração que deixou de parte o parceiro histórico. A Portugal deixou o recado, envolvido nos «outros países» a quem Angola daria importância, «desde que respeitem a nossa soberania».
Por mais que, posteriormente, o chefe de Estado angolano tenha tentado atirar a ausência para o domínio do esquecimento, há silêncios mais ensurdecedores que uma montanha de palavras e esse pedido de respeito pela soberania estava no discurso como sinónimo de Portugal. Até porque logo a seguir, na referida entrevista, João Lourenço deixou esta formulação: «Em principio, não foi intencional e veremos daqui para a frente o que vai acontecer».
O daqui para a frente continua dependente da transferência do processo de Manuel Vicente, que já foi anunciada, embora não concretizada. Quando o chefe de Estado angolano refere que estão «ansiosos» para receber Costa em Luanda, no fundo, querem dizer que estão ansiosos por receber o processo de Manuel Vicente, para depois agendar a visita do primeiro-ministro português.
A passagem de João Lourenço pela Bélgica e França demonstrou que há vontade em investir em Angola e o chefe de Estado angolano promoveu bem a nova lei de investimento estrangeiro que já não obriga a parcerias com sócios locais como até agora. O Banco Mundial ainda este ano dizia que é mais fácil ser empresário em Damasco, capital de um país em guerra há sete anos, do que ser empresário em Luanda.
Com a nova lei, Angola quer evoluir de um país conhecido pelo seu fraco ambiente de negócios – e daí também mais dependente do investimento português, capaz de navegar por entre os entraves da burocracia angolana com um jeitinho aqui e outro jeitinho ali – para um alvo atraente para o investimento estrangeiro. De França, por exemplo, trouxe acordos em áreas estratégicas no valor de mil milhões de euros. A Jeune Afrique revelou que a visita de Lourenço a França só foi confirmada depois de o Executivo angolano ter prometido regularizar até ao fim deste mês a dívida de mais de milhões de euros a empresas públicas francesas. Pagar as dívidas também quer ser um sinal da nova era.
«Angola está a apostar na diplomacia económica e na diversificação das suas parcerias estratégicas com aqueles países que podem, efetivamente, dar maior robustez aos programas de desenvolvimento, melhorando e alargando as suas exportações e atraindo tradicionais e novos investidores», escreveu o diretor do Jornal de Angola recentemente.
De Emmanuel Macron, presidente francês, recebeu o chefe de Estado angolano palavras encorajadoras – «dou todo o meu apoio às reformas iniciadas pelo Presidente Lourenço» que vão «na boa direção». E gestos também, como salientou o Presidente francês na declaração conjunta com João Lourenço, ao referir o acordo para a abertura da filial privada da Agência Francesa de Desenvolvimento, a Proparco. «Nós pretendemos estabelecer com a França uma verdadeira parceria estratégica», sublinhou João Lourenço.