Frank Carlucci, o embaixador dos EUA em Portugal no epicentro da da revolução portuguesa, morreu no passado domingo, aos 87 anos. Filho de um agente de seguros de ascendência italiana, Carlucci morreu em consequência de complicações da doença de Parkinson, de que sofria. Como escreveu o New York Times, Carlucci poderia ter saído de «uma história de espionagem de John Le Carré».
Foi o mais conhecido agente da CIA em Portugal e ocupou o posto de embaixador dos Estados Unidos nos incríveis anos de 1975-77 do século passado de onde saiu diretamente para o cargo, fundamental em tempo de guerra fria, de vice-diretor da CIA.
«Tudo o que a CIA fez foi sob o meu comando. Qualquer ação que possa ter desenvolvido destinava-se a executar a política dos EUA, que era apoiar as forças democráticas em Portugal. A CIA era parte da equipa [da embaixada] e eles faziam o que [eu] lhes mandava», revelou o próprio Frank Carlucci no livro Carlucci vs. Kissinger – os Estados Unidos e a Revolução Portuguesa, de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, publicado em 2008 e tendo por base documentos desclassificados da administração americana. Os autores defendem que «a ação da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas» em Portugal.
Enquanto Kissinger, na altura secretário de Estado americano, tinha a opinião de que Portugal era um caso perdido, os comunistas venceriam e que os Estados Unidos deveriam «atacar Portugal e expulsá-lo da NATO» – o que segundo Kissinger serviria de «vacina» para a Espanha, Grécia e Itália –, Carlucci acreditou sempre que os Estados Unidos deviam apoiar as forças políticas não comunistas, designadamente Mário Soares, secretário-geral do PS.
Carlucci fez valer a sua posição junto do presidente Gerald Ford e do resto do poder executivo, convencendo Kissinger de que «o plano» de apoiar os moderados era a via certa para a administração americana. E tanto os EUA como os países europeus apoiaram firmemente o PS, o PSD e o CDS. Carlucci, em testemunho citado no livro, confirma que a administração de Gerald Ford apoiou «o PS, o PSD e o CDS», partidos com quem teve «contactos frequentes» para «desenvolver um conjunto de programas que demonstrassem o interesse dos Estados Unidos por Portugal». A versão é ampliada com a descrição do seu adjunto, Herbert Okun: «Apoiámos bastante o PS. Apoiámos igualmente o PPD. A maior ajuda foi para o PS, a seguir para o PPD e, modestamente, para o CDS».
Quando chegou a Portugal, Carlucci percebeu rapidamente que Mário Soares era o homem que os Estados Unidos deveriam apoiar. Em 2008, num debate na Fundação Mário Soares, o ex-Presidente descreveria Frank Carlucci como «um tipo pequenino, vivo. Um típico mafioso italiano!», recusando, no entanto, que o papel dos americanos na Revolução tenha sido fundamental. Os EUA «não tiveram tanta importância como se julga», disse na altura Soares, contrapondo que os países que mais ajudaram à democratização foram a Alemanha, o Reino Unido, Itália e os países nórdicos. Mas o livro de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá demonstra como os Estados Unidos fizeram passar através de países europeus ajudas para os partidos não-comunistas em Portugal – para evitar a linha direta.
Afastar o Governo de Vasco Gonçalves do poder foi o grande objetivo de Carlucci. Recusou receber o pedido de auxílio para a retirada dos portugueses de Angola das mãos do primeiro-ministro e pediu que fosse o Presidente da República, Costa Gomes, a fazê-lo. Carlucci, no mesmo dia, enviou um telegrama para o Departamento de Estado defendendo que a resposta positiva ao pedido de auxílio à ponte aérea fosse imediatamente despachada. O Governo português condecorou Carlucci em 2004 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, por «relevantes serviços prestados» no país e fora dele. Era primeiro-ministro Pedro Santana Lopes e Presidente da República Jorge Sampaio. Na altura, Carlucci disse à TSF aceitar a comenda «em nome de toda a equipa» que o «ajudou durante a estada em Portugal». «Fiquei a admirar o povo português pela sua determinação, pela forma como lutaram por uma sociedade livre».
O PCP não gostou que Carlucci fosse condecorado e na altura manifestou o seu repúdio pelo «vergonhoso gesto de afrontamento aos valores de Abril e da soberania nacional».
Carlucci voltará a Portugal para fazer negócios. Em 1997 tornou-se sócio do ex-jornalista Artur Albarran, na empresa Euroamer, com interesses no imobiliário e construção, através do grupo Carlyle, de que Carlucci chegou a ser presidente. A coisa não corre bem e Albarran acaba por ser suspeito de burla e abuso de confiança em 2005, mas não chega a haver acusação. Em 2010, foi acusado de fraude fiscal agravada, mas acabaria absolvido em 2015, por falta de provas.