A quase totalidade das pessoas identifica o ‘progresso tecnológico’ com o progresso em geral. Se um país progride tecnologicamente, então progride em todos os aspetos. Ora este texto propõe uma visão do progresso completamente diferente. Que, apesar de nunca ter sido escrita em parte nenhuma, se me apresenta hoje com uma evidência cristalina. No final deste texto, o leitor dirá de sua justiça.
O ‘progresso tecnológico’ nunca para. Desde que o primeiro homem surgiu sobre a Terra, a tecnologia tem avançado sempre. Às vezes mais lentamente, outras muito rapidamente. Nos tempos que correm, o progresso tecnológico é estonteante. Cada dia há uma descoberta nova. Um televisor que comprámos no mês passado daqui a um mês já estará ultrapassado. E com produtos como os telemóveis o fenómeno ainda é mais acelerado. Todas as semanas sai um modelo novo.
MAS SE O PROGRESSO tecnológico não para, com o ‘progresso material’ as coisas já não se passam bem assim. O progresso material das sociedades não acompanha obrigatoriamente o progresso tecnológico. Se todos os dias há novas descobertas, se as novas gerações disporão de produtos tecnologicamente mais avançados do que aquelas que as precederam, isso não quer dizer que materialmente vivam melhor.
Diz-se mesmo que estamos num tempo em que, pela primeira vez, os filhos poderão vir a viver pior do que os pais. De facto, até hoje, os filhos viviam quase sempre melhor do que os progenitores tinham vivido. Os pais da maioria dos meus colegas de escola e de liceu tinham uma vida bem mais difícil do que aquela que os filhos tiveram. E os pais dos pais deles ainda tinham vivido com maiores dificuldades. E por aí fora.
Mas estamos no limiar de um tempo em que a situação se pode inverter, apesar de o progresso tecnológico não ter parado. O que quer dizer que o progresso material não acompanhou o progresso tecnológico.
HÁ AINDA UM TERCEIRO MODO de progresso que não acompanha necessariamente os outros dois. Chamemos-lhe ‘progresso imaterial’, ou moral, ou espiritual. E não me refiro à religião mas à dimensão espiritual de cada ser humano.
Os seres humanos não são unidimensionais. Embora a sua dimensão material esteja muito desenvolvida nos tempos que correm, o homem não se esgota nela. Há uma dimensão espiritual que se manifesta no amor, ou na contemplação da arte, ou na leitura, ou na criação literária ou artística. O homem dá uso ao espírito e, simultaneamente, procura alimentar o espírito – lendo, ouvindo música, indo a exposições ou ao cinema.
E, noutro plano, cultiva princípios e valores – como a verdade, a honestidade, a solidariedade, o respeito pelos outros seres humanos, etc.
ORA, ESTE PROGRESSO imaterial também não segue necessariamente a par dos outros dois, como se disse. Pode haver progresso tecnológico e progresso material – mas, ao mesmo tempo, regressão ao nível das artes, dos princípios ou dos valores.
A nossa época é um claro exemplo disso: a par de um vertiginoso progresso tecnológico, e de um menos evidente progresso material, assistimos a um retrocesso ao nível do progresso imaterial.
A proliferação das drogas, a confusão entre os sexos, a perda de referências civilizacionais, a relativização da vida humana, o consumo desenfreado, o aumento das depressões, o apelo ao suicídio, as modas absurdas, a regressão nas artes (na pintura, na escultura e na música, por exemplo) – tudo isso são sintomas de uma civilização em crise.
PARA QUEM AINDA possa ter dúvidas sobre a não coincidência dos ‘três progressos’, basta recorrer à História.
No império romano, o progresso tecnológico nunca parou. Na organização das cidades, na construção de estradas e de pontes, nas artes da guerra, sabia-se naturalmente em cada ano mais do que no ano anterior. Mas esse progresso constante não impediu que o império entrasse em declínio e depois em agonia, até cair.
Repito: esta ideia dos ‘três progressos’ que não vão a par nunca vi escrita em parte nenhuma. Mas para mim é hoje uma evidência. E espero que tenha convencido o leitor.
A importância que daqui decorre é que, para haver progresso, não basta haver ‘progresso tecnológico’, nem ‘progresso material’ – é também necessário haver ‘progresso imaterial’. Sem ele, a nossa civilização estará condenada ao declínio e à morte. Como sucedeu com Roma.