As divisões entre os Estados-membros da União Europeia em torno da migração vieram para ficar, com a chanceler alemã Angela Merkel a anunciar ontem que a cimeira europeia de 28 e 29 de junho não chegará a um compromisso. “Não haverá solução para todo o pacote de asilo, ou seja, para todas as sete diretivas até sexta-feira”, anunciou ontem a chanceler alemã. Normalmente, os líderes europeus chegam a acordo sobre um primeiro rascunho de resolução nos dias que antecedem as cimeiras europeias. Agora, a estratégia diplomática de Merkel passará por soluções bilaterais com os restantes Estados-membros, principalmente com os que apoiam uma estratégia global para a migração.
A primeira iniciativa desta nova estratégia parece ter sido a reunião com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez. “Conversámos sobre trabalhar com países que estão dispostos a discutir todas as dimensões da política de migração e o primeiro-ministro espanhol falou sobre a dimensão externa e eu sobre a dimensão interna. Nesse espírtio, teremos mais conversações nos próximos dias”, explicou Merkel. Se a ameaça de uma Europa a várias velocidades pairava no horizonte, agora parece estar a materializar-se.
Questionado sobre o navio humanitário Lifeline, com 234 migrantes a bordo e também impedido pelo governo italino de atracar nos seus portos, Sánchez limitou-se a defender a necessidade de se encontrar uma solução europeia comum. Ao contrário do que aconteceu com o Aquarius, Sánchez não mostrou disponibilidade em acolher o navio nos portos espanhóis. Entretanto, o navio já atracou em portos malteses, depois de Malta ter voltado atrás com a sua recusa inicial em o acolher.
Choque de instituições
O conflito em torno da imigração não se limita aos governos europeus, com o Conselho Europeu e a Comissão Europeia a entrarem em choque sobre as conclusões da cimeira europeia no final deste mês. Na minicimeira deste domingo, os líderes europeus presentes não emitiram qualquer documento com as conclusões do encontro, encorajando a Comissão Europeia a fazê-lo. A instituição europeia enviou, por email, uma proposta de rascunho com políticas concretas para os líderes europeus, bem como para os responsáveis do Conselho Europeu, entre os quais o seu presidente, Donald Tusk, enfurecendo-os.
Em jeito de retaliação, o Conselho entregou aos 28 governos uma proposta de rascunho das conclusões da cimeira, na qual retira todas as propostas da comissão exceto uma: “O Conselho Europeu congratula-se com o acordo alcançado sobre o financiamento do Mecanismo de Refugiados na Turquia e o Fundo Fiduciário da UE para a África”. “O texto do Conselho é simplesmente realista, enquanto o da Comissão avança mais uma vez com uma lista de desejos e nada mais”, disse um diplomata, que participou na minicimeira, ao Politico. Os responsáveis do conselho, explica o Político, viram a movimentação da comissão como uma tentativa de ultrapassar o próprio conselho, criando atritos entre as duas instituições.
Coligação em risco
Merkel saiu da minicimeira sem acordo e ainda mais fragilizada. Os três partidos que sustentam o governo de Merkel, CDU, SPD e CSU, iniciaram ontem negociações para sanarem as divergências sobre a política migratória, com a CSU da Baviera, partido-gémeo da CDU e liderado pelo ministro do Interior, Horst Seehofer, a assumir-se como o principal obstáculo à manutenção da atual política de portas abertas aos refugiados. Seehofer quer impedir a entrada de mais migrantes e refugiados e acelerar as deportações para os seus países de origem, enquanto Merkel recusa medidas unilaterais. Por sua vez, o SPD rejeita assumir o papel de mediador. “O SPD não pode ser o mediador entre a CDU e a CSU, que têm de resolver as suas diferenças, mas o compromisso a que chegarem tem de ser discutido connosco”, disse Andrea Nahles, líder do SPD.