O bispo de Leiria-Fátima é, desde sexta-feira, cardeal. A escolha do Papa Francisco, anunciada no final de maio, apanhou a Igreja de surpresa: ninguém adivinhava que D. António Marto chegasse ao Colégio Cardinalício. Mas, numa altura em que Portugal tem cada vez mais peso no Vaticano, há já quem defenda que o novo cardeal tem sérias possibilidades de vir a ser escolhido Papa num próximo conclave. Até lá, os portugueses continuam a ganhar poder em Roma e Tolentino Mendonça deverá chegar, também ele, a cardeal.
Na sexta-feira, António Marto conversou com o Papa Francisco no minibus que transportou os 14 novos cardeais para a Aula Paulo VI, a seguir a uma visita conjunta ao Papa emérito Bento XVI. O bispo de Fátima estava a entrar no autocarro e Francisco dirigiu-se a ele. «O teu cardinalato foi uma carícia della Madona [Nossa Senhora ]», disse-lhe. O bispo de Fátima sorriu e respondeu: «Acredito, porque eu ainda não compreendi por que é que foi». A conversa, revelada pelo próprio António Marto, é sintomática de como toda a Igreja foi apanhada de surpresa com a elevação do português a cardeal. Há várias teses sobre o porquê, mas certezas apenas uma: a escolha foi pessoal e partiu do Papa Francisco.
D. António Marto, vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), é visto como um dos bispos portugueses mais progressistas e em linha com o pensamento e o pontificado do Papa Francisco. E lidera um grupo de bispos progressistas, por oposição ao cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da CEP, D. Manuel Clemente, que chefia a ala episcopal mais conservadora. Algumas das fontes eclesiásticas ouvidas pelo SOL defendem que a escolha do Papa foi «um sinal» enviado à Igreja portuguesa e uma forma de «equilibrar poderes» entre a ala progressista e a ala conservadora em Portugal.
Esta leitura não é, no entanto, consensual. «É descabido pensar que o Papa Francisco, a partir de Roma, está preocupado com o equilibrar de poderes dentro da Conferência Episcopal Portuguesa», diz uma fonte ligada à Cúria. Outros estão convencidos de que a nomeação foi uma espécie de «prémio» ou «reconhecimento» do papel que o Santuário de Fátima tem tido na Igreja, por ser um dos mais visitados e importantes centros marianos do mundo. Por outro lado, é conhecido que o Papa Francisco é profundamente devoto de Maria: soube que ia ser bispo em 1992, a 13 de maio, o dia de Nossa Senhora. A importância de Fátima poderia, assim, explicar a elevação de António Marto, mas o próprio cardeal esclareceu, na sexta-feira, que esta escolha do Papa não vai criar o precedente de elevar todos os bispos da diocese de Leiria a cardeais. «Isto não institui uma tradição como existe em Lisboa [em que o Patriarca é chamado de forma quase automática a ser cardeal, por razões históricas]», explicou.
Há um ponto em que todas as fontes ouvidas pelo SOL concordam: D. António Marto encarna «na perfeição» aquilo que Francisco tem defendido para a Igreja e para o Clero: uma Igreja «simples», «pobre», focada nas «periferias», virada para os pobres e um Clero onde não haja «príncipes». Na sexta-feira, na homilia do consistório onde o bispo de Leiria-Fátima e outros 13 bispos foram elevados a cardeais, o Papa voltou a insistir nessa ideia. «Nenhum de nós se deve sentir superior. Nenhum de nós deve olhar os outros de cima para baixo», pediu-lhes. «D. António Marto personifica essa ideia que o Papa tem do que deve ser um pastor, alguém muito simples e próximo das pessoas», acredita fonte da Cúria.
Um pormenor demonstra bem a estima que o Papa tem pelo bispo de Fátima. Quando um cardeal é criado, tem direito a receber a titularidade de uma igreja e a que foi escolhida para António Marto é um dos templos mais importantes de Roma. Trata-se da Igreja de Santa Maria sopra Minerva, no centro da cidade, em frente à Academia Eclesiástica e perto da Escola de Núncios. Ligada aos dominicanos, é onde está sepultada Santa Catarina de Sena e Frei Angélico, um dos grandes pintores do século XV.
Ser Papa não é miragem
D. António Marto é já encarado como potencial candidato à sucessão de Francisco e não é só pela simpatia que colhe junto do Papa. «É o mais próximo que temos e que tivemos, nas últimas décadas, com hipóteses de chegar ao Papado», assegura uma das fontes ouvidas pelo SOL. No Colégio Cardinalício (organismo que elege os papas) há 125 cardeais eleitores, de 65 países diferentes. «Como é evidente, os cardeais não se conhecem bem entre si», explica outra fonte.
Neste ponto, D. António Marto tem vantagem sobre quase todos os outros cardeais num eventual conclave: apesar de não ser uma figura mediática, quase todos os elementos do Colégio o conhecem. Isto porque, nos últimos dez anos, passaram pelas principais celebrações de Fátima, pelo menos 40 cardeais de várias partes do mundo, recebidos pelo anfitrião de serviço: António Marto. «Quarenta cardeais são um terço de todo o Colégio Cardinalício», continua a mesma fonte. Há ainda outro aspeto a jogar a favor do português. Nos últimos anos, a hierarquia da Igreja tem estado profundamente dividida entre uma ala conservadora e uma progressista. D. António Marto, apesar de ter um pensamento inclinado para a abertura, é conciliador. «É empático, humilde e ponderado. Isso pode colocá-lo na linha da frente de uma solução de um candidato a Papa que, embora marcasse uma continuidade em relação a Francisco, poderia fazer uma ponte entre as duas posições mais extremadas», defende a fonte da Cúria romana ouvida pelo SOL.
Tolentino vai ser cardeal
Os olhos do Papa têm estado, definitivamente, em Portugal e o poder dos portugueses em Roma é cada vez maior, com várias figuras de destaque no Vaticano (ver esquema ao lado), algumas jovens e para quem se augura um futuro brilhante. É o caso de Tolentino Mendonça, recentemente chamado para arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica (ver pág. 32).
A nomeação também partiu diretamente do Papa, que anunciou que Tolentino vai ser ordenado arcebispo (ao que o SOL apurou, a ordenação deverá acontecer este Verão nos Jerónimos). O futuro auspicioso do padre e poeta português consolidou-se na última Quaresma, quando foi convidado a pregar o habitual retiro do Papa e dos seus colaboradores mais chegados. O seu nome terá sido indicado pelo Cardeal Ravasi, o italiano que preside ao Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano e de quem Tolentino é amigo há vários anos. E o Papa gostou do que ouviu. «Foi uma reflexão um bocado fora daquilo a que a Cúria está habituada, menos cinzenta», diz uma fonte ao SOL.
Os últimos pregadores do retiro da Quaresma receberam grandes promoções. O italiano Angelo de Donatis, que pregou o de 2014, é só um exemplo: passou de padre a bispo auxiliar de Roma em 2015; em 2017 passou a vigário-geral e na sexta-feira foi criado cardeal. Também Tolentino deverá chegar a cardeal, acreditam todas as fontes ouvidas pelo SOL. Pelas suas qualidades, por ainda ser jovem (52 anos) e por outra razão: o cargo de arquivista e bibliotecário que vai ocupar, a partir de 1 de setembro, é, por tradição, um lugar de cardeal. Todos os bibliotecários foram promovidos a essa categoria, à exceção do último, o francês Jean-Louis Bruguès.