Senhoras e senhores

Faz-me pele de galinha ouvir dizer «Portuguesas e portugueses» ou «Boa noite a todos». Será uma mania. Mas há manias que dizem muito sobre a nossa forma de estar.

O ENG. ANTÓNIO GUTERRES foi o primeiro português que ouvi começar um discurso dizendo «Portuguesas e portugueses». Guterres gostava de agradar às pessoas, e gostava que as pessoas gostassem dele – pelo que entendi esta forma de se dirigir aos seus concidadãos como resultado dessa maneira de ser. Mas confesso que estranhei. Interroguei-me: então a palavra ‘portugueses’ não engloba os homens e as mulheres? É preciso dizer também ‘portuguesas’?

Por uma fração de segundo, duvidei dos meus conhecimentos de gramática. Mas depressa sosseguei: a gramática da língua portuguesa (e as de outras) postula sem margem para dúvidas que os plurais se fazem no masculino. Assim, é redundante dizer ‘portuguesas e portugueses’. Também não dizemos «aldeia das macacas e dos macacos», ou «jaula das leoas e dos leões», ou até «Pátio das Bichas e dos Bichos». 

MAS O CERTO É QUE, a partir da altura em que Guterres iniciou um discurso dizendo «Portuguesas e portugueses», muita gente passou a fazer o mesmo. As pessoas gostam de se imitar umas às outras – e aqui deu-se mais um fenómeno de imitação. 

Também depois de José Sócrates usar várias vezes numa entrevista a palavra «narrativa», esta entrou na linguagem comum. Hoje, nos debates televisivos, é um ver-se-te-avias de ‘narrativa’ para aqui, ‘narrativa’ para ali. 

Voltando aos que dizem «portuguesas e portugueses» (e devo dizer, em abono da verdade, que no estrangeiro muitos políticos seguem a mesma cartilha, que integra o politicamente correto) pergunto: por que razão nunca dizem: «portugueses e portuguesas»? Por que é que ‘as portuguesas’ vêm sempre primeiro? Não é verdade que as feministas detestam que os homens lhes dêem prioridade, que se afastem para lhes dar passagem, pois consideram isso uma forma de ‘discriminação de género’ (ainda que positiva)? Ao dizer-se sempre «portuguesas e portugueses», está a usar-se um ‘cavalheirismo’ que, do ponto de vista feminista, acaba por ser uma forma de machismo. 

TOMEMOS outro caso. A expressão ‘cidadão português’ significa uma pessoa de nacionalidade portuguesa – seja homem, mulher, rapaz ou bebé (os bebés, hoje, já têm Cartão de Cidadão). Mas recentemente um grupo de pessoas também considerou que havia aqui um privilégio de ‘género’ e propôs que o Cartão de Cidadão passasse a chamar-se Cartão de Cidadania.

 A sugestão não foi para a frente e até acabou por ser coberta de ridículo. 

Mas as mudanças de nome estão na ordem do dia. Noutro plano, o BE não quer que o Museu das Descobertas se chame assim, porque nós não ‘descobrimos’ nada. Talvez tenhamos descoberto o caminho marítimo para certas terras que a Europa desconhecia, mas isso é coisa de pouca monta.

Ainda virá o dia em que os bloquistas queiram mudar o nome ao Padrão dos Descobrimentos e apear Afonso de Albuquerque do seu pedestal frente ao Palácio de Belém. 

MAS VOLTANDO à linguagem que faz pouco sentido (e para não nos ficarmos apenas pelo politicamente correto), é muito comum nos atos públicos os apresentadores ou os oradores se dirigirem à assistência começando por dizer: «Bom dia a todos» (ou «Boa tarde a todos») ou «Boa noite a todos)». Ora é evidente que quando dizemos «Bom dia» ou «Boa noite» a um grupo de pessoas estamos a dirigir-nos a todas e não apenas a uma parte. Dizer «Boa noite a todos» é uma tonteria, que não faz sentido nenhum. Mas a expressão está vulgarizada e não há cão nem gato que não a use.

A COMUNICAÇÃO de massas cria umas frases que depois todos repetem acriticamente, sem pensar no que dizem. Ou pensam mas querem agradar, querem ser politicamente corretos ou simplesmente ser ‘modernos’, ser ‘atuais’, mostrar que estão na onda. 

Eu funciono um pouco ao contrário. Talvez por espírito de contradição, evito usar as palavras da moda, as expressões da moda, e abomino o politicamente correto. Faz-me pele de galinha ouvir dizer «Portuguesas e portugueses» ou «Boa noite a todos». Será uma mania. Mas há manias que dizem muito sobre a nossa forma de estar.