O Bloco de Esquerda quer marcar a agenda da nova sessão legislativa, em setembro, com uma bandeira política do partido já com duas décadas: o combate à violência doméstica. Por isso, quer lançar o debate sobre propostas como a criação de tribunais especializados de competência mista em violência doméstica: Os primeiros seriam em Braga e em Setúbal, numa versão de experiência-piloto. E a escolha não é inocente.
“Braga e Setúbal são dois dos cinco distritos com mais ocorrências de violência doméstica, tendo-se registado, em 2017, um aumento relativamente a 2016, de 2,3% e 2,7% respetivamente”, escreve a deputada do Bloco de Esquerda, Sandra Cunha na exposição de motivos. O objetivo é articular tudo no mesmo local, quer a situação de violência, quer as soluções de regulação parental. E os juízes terão de ter, pelo menos dez anos de experiência e uma classificação de Bom na avaliação. A experiência será avaliada após dois anos no terreno.
A Associação Sindical de Juízes tem dúvidas, se não mesmo objeções à versão do Bloco do Esquerda. Manuel Ramos Soares, juiz desembargador e presidente da associação, alerta para riscos de “pressão militante” e de se estar a criar um tribunal de especialidade “que pode ser contaminado facilmente por fundamentalismos ideológicos ou políticos”, logo “facilmente sujeito a pressões de natureza militante”, disse, citado pela TSF. Já a responsável da UMAR, Elisabete Brasil aplaude a proposta para que “um único tribunal possa julgar e decidir sobre as mesmas partes, em matérias distintas daquilo que a violência doméstica desencadeia”.
Os bloquistas consideram que não podiam deixar para trás uma realidade dura: “Nos últimos 14 anos, 472 mulheres foram assassinadas pelos maridos, ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros. Mais de 1000 crianças ficaram órfãs de uma ou das duas figuras parentais.”
As propostas do BE não se esgotam na especialização dos tribunais nesta matéria e incluem mais dois projetos. Um deles é o de alargar a aplicação de prisão preventiva e criar restrições à suspensão provisória do processo. Dito de outra forma, o Bloco critica a aplicação da suspensão provisória da pena em casos de violência doméstica porque “nos anos de 2015 e 2016, foi aplicado o Instituto da Suspensão provisória do Processo a mais de 5 mil agressores com culpa provada ou assumida”. Resultado? “Acabam por ter de pagar uma indemnização à vítima ou a uma associação de defesa dos direitos das mulheres e/ou a frequentar programas de controlo da raiva ou tratamento de dependências.”, argumentam os bloquistas.
Uma das autoras dos projetos, a deputada Sandra Cunha explica que “apenas 16% das queixas de violência doméstica chegam a Tribunal e destas cerca de 70% são arquivadas. Dos processos concluídos mais de 90% acabam em pena suspensa”. Ou seja, a discussão deve passar por deixar cair a suspensão provisória nos casos de violência doméstica. Mais, a prisão preventiva deve ser alargada a estes casos. Isto porque “na esmagadora maioria das vezes, o agressor tem um ascendente brutal sobre a vítima”, defende o Bloco de Esquerda.
O reforço das molduras penais, também para casos de violação e abuso sexual de menores, completa o pacote de medidas. Por exemplo, no caso de “o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de três a oito anos “. A atual lei prevê dois a cinco anos. Em caso de morte, a moldura penal vai até aos doze anos na versão do BE, quando o Código Penal prevê prisão até aos dez anos. Nos casos de violação as molduras também são agravadas com penas de prisão entre dois e dez anos.
“A este respeito é especialmente preocupante que o crime de violação tenha tido, em 2017, um aumento de 21,8% relativamente a 2016 e que o abuso sexual de crianças represente a maior fatia dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Em 2017, contabilizaram-se 937 participações de abuso sexual de crianças”, justificou o Bloco para reforçar o aumento das molduras penais.
Os bloquistas não consultaram os outros partidos para avançar com as propostas e querem um debate sério sobre o problema até ao final da Legislatura. Isto porque os relatórios anuais de Segurança Interna (RASI) “mostram que o crime de violência doméstica é o único cujas participações aumentam consistentemente ano após ano e é também aquele que se mantém no top 3 da criminalidade mais participada mantendo-se, em 2017, como o segundo crime com maior incidência na categoria de crimes contra as pessoas”.