Quase 22 mil pessoas aguardavam no ano passado nos corredores da morte pela execução da sua pena. Sendo que 2591 delas foram sentenciadas à pena capital só no ano passado. Uma contabilização que fica muito aquém da verdade, porque está baseada apenas em estatísticas oficiais. A China, o Estado com mais execuções, continua a manter segredo sobre a aplicação da pena de morte. A Amnistia Internacional fala em milhares de pessoas executadas todos os anos na China.
Os Estados Unidos estão entre os 27 países que levaram a cabo execuções em 2017: 23 homens foram mortos e houve mais 30 novas sentenças capitais. Cerca de 2800 presos aguardam a execução da pena de morte.
Das três grandes potências, só a Rússia não executa ninguém há mais de 20 anos: o país não aboliu a pena de morte, mas desde 1996 tem uma moratória em vigor que suspende o seu uso.
Se a isto juntarmos o facto de que dos cinco países que mais aplicam a pena de morte – China, Irão, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão – nenhum deles é católico, percebemos que a mudança da redação do Catecismo da Igreja Católica, implementada agora pelo Papa Francisco, por mais simbólica que seja, não parece corresponder ao ar destes tempos de ameaças à segurança e recrudescimento de correntes populistas demagogas, que fazem da solução simples para casos complicados discursos bem recebidos por parte substancial das populações.
Nos EUA, o Presidente Donald Trump por várias vezes se mostrou favorável à aplicação da pena de morte.
Nas Filipinas, que com os seus 91 milhões de habitantes e 90% de católicos é o maior país católico da Ásia, a pena de morte foi abolida em 2006 (na altura tinha 1200 pessoas condenadas à morte, o segundo maior número a seguir aos EUA, e sem contar com a China), mas agora mata-se sem chegar a tribunal.
Com o Presidente Rodrigo Duterte, que chegou à presidência em junho de 2016 com um discurso duro contra a droga e a corrupção, aumentaram as mortes extrajudiciais. Números oficiais dão conta de 4500 pessoas mortas pela Polícia em campanhas antidroga, cifra contestada por organizações não governamentais que colocam a fasquia bem mais acima, entre 12 mil a 15 mil pessoas executadas sem lei nem ordem.
Manny Paquiao, um senador que defende o regresso da pena de morte nas Filipinas, continua a defender a ideia apesar da posição do Sumo Pontífice e para tal recorreu ao argumento definitivo para qualquer católico: «Não se trata de nós, daquilo que penso ou quero. Está na Bíblia e também na nossa Constituição, como tal não deve haver problema». Para Pacquiao, que não perde uma ocasião para falar da sua fé cristã, o mandamento de ‘não matarás’ refere-se apenas a não fazer justiça pelas próprias mãos: «Deixem as autoridades lidar com isso. Estamos a falar da lei da terra, aprovada por Deus e instituída por Deus. O governo é instituído por Deus».
Uma posição bem distante da perspetiva do Papa Francisco e da Igreja Católica: «A pena de morte é inadmissível porque é um ataque à inviolabilidade e dignidade da pessoa», lê-se no Catecismo da Igreja Católica. Evolução da versão do documento que vigorava desde 1992, na altura era Papa João Paulo II, onde se admitia que «a doutrina tradicional da Igreja não exclui o recurso à pena de morte, se essa for a única forma de efetivamente defender vidas humanas contra o injusto agressor».
A Igreja Católica de Francisco parece ir ao arrepio do mundo católico e cristão da atualidade, onde a maioria da população parece favorável à aplicação da medida extrema da Justiça. Nos EUA, por exemplo, onde a pena de morte é legal em 31 estados, 54% da população acredita na pena de morte, enquanto apenas 39% é desfavorável à sua aplicação.
O governador do Massachusetts, o segundo estado com maior percentagem de católicos (47%) nos Estados Unidos, logo a seguir a Rhode Island, é favorável à reimplantação da pena de morte. «Sem dúvida que apoio a pena de morte para pessoas que matem agentes da polícia, por inúmeras razões», afirmou em julho Charlie Baker.
«Existem apenas dois tipos de argumentos que realmente se aguentam. Um deles é o princípio básico da moralidade da pena de morte. De acordo com o Papa, nunca se pode justificar. Ponto final», escreve Evan Slavitt no Boston Herald. No entanto, «uma das marcas de uma sociedade civilizada é estar sustentada em certos valores centrais.
Quando esses valores centrais são profundamente violados, tem de agir: caso contrário, trai-se a si própria», acrescenta o cronista.
No Brasil, outro país maioritariamente católico – ainda por cima ameaçado por um crescimento das igrejas evangélicas que vem ganhando terreno ao catolicismo –, a abolição da pena de morte está consagrada na Constituição (embora aceite em casos de deserção em tempo de guerra). Mas a pressão social e um Congresso onde o movimento evangélico tem crescido em número e peso político – foi essencial no impeachment de Dilma Rousseff –, ameaçam com modificar a situação no futuro.
A insegurança e o clima violento (com mais de 60 mil mortes ao ano) têm paulatinamente vindo a inverter a visão da maioria dos brasileiros em relação ao tema. Uma sondagem da Datafolha, de janeiro, mostra que o apoio à pena de morte cresceu de 47% em 2008 para 57% em 2018.