Catedrático do departamento de História da FCSH (Universidade Nova de Lisboa), João Paulo Oliveira e Costa recebe-nos no seu gabinete com vista para a igreja de N. Sr.ª de Fátima, de Porfírio Pardal Monteiro. Geralmente conotado com a direita, o historiador faz questão de nos mostrar uma fotografia tirada na Festa do Avante. Mostra uma pintura mural, como uma frase em grandes parangonas: ‘Os Lusíadas exaltam a maior contribuição coletiva do povo português para o progresso humano: os Descobrimentos, a abertura das relações através dos oceanos, num processo histórico ainda hoje não terminado. Processo que tem incluído (e continua a incluir), desumanidades colonialistas e imperialistas’. «Esta para mim é a visão mais equilibrada do processo dos Descobrimentos», comenta. Com uma vasta obra sobre o assunto (e perto de 40 anos de estudo), João Paulo Oliveira e Costa foi um dos signatários de uma carta publicada no semanário Expresso contra a criação de um Museu dos Descobrimentos na capital. Ao SOL, explica porquê, mas também por que não concorda com algumas das críticas que estavam implícitas nesse texto.
Temos a ideia de que os Descobrimentos são um tema tão estudado que se torna pouco estimulante para um historiador. Esta polémica vem desmentir essa ideia?
Se estamos a falar estritamente das viagens de exploração, há muito pouco a acrescentar. Ninguém consegue acrescentar muito às viagens de Vasco da Gama e de Bartolomeu Dias, às explorações que levaram os portugueses ao Japão ou mesmo às explorações no interior do Brasil.
Está tudo estabelecido?
Aí sim. Mas se falarmos de uma coisa muito mais vasta que é a Expansão desde o início do século XV, com a conquista de Ceuta, até à independência de Macau em 1999 e de Timor em 2002, esse processo tem pano para mangas e muitos temas que continuam completamente virgens. Portanto o tema da Expansão…
… é quase inesgotável.
E universal. Ainda na passada semana assinámos um acordo com uma fundação saudita que quer conhecer toda a documentação que há em Portugal acerca da Arábia.
Fiquei com a impressão de que, embora fosse um dos signatários da carta publicada pelo Expresso que deu início a uma discussão acesa sobre os Descobrimentos e as suas consequências, não estaria 100% de acordo com tudo o que ela dizia.
A preocupação fundamental – na minha leitura – era manifestar uma opinião contrária à ideia de que Lisboa devia ter um museu chamado dos Descobrimentos. Um museu que dê que falar por causa do seu nome e não pelos seus conteúdos começa pelo sítio errado. Agora, quando a maior parte dos signatários da carta começa a dizer que os Descobrimentos foram um processo negativo, entram por uma deriva – e foi aí que me afastei. Apesar de os Descobrimentos terem tido tragédias, o balanço global não é uma tragédia, pelo contrário. Aliás, nenhum estado contemporâneo diz nas suas relações com Portugal: ‘Vocês vieram cá e estragaram tudo’.
E a palavra ‘Descobertas’ tem ou não conotações salazaristas?
Relacionar os Descobrimentos com o salazarismo é duplamente ridículo. Em primeiro lugar, porque a evocação dos Descobrimentos como um dos valores da nossa História vem desde o princípio. Já D. João V, quando enviou a embaixada a Roma, no início do século XVIII, mostrava Portugal como um país dos Descobrimentos. E é ridículo, em segundo lugar, porque as duas figuras maiores da historiografia dos Descobrimentos no tempo de Salazar eram exilados políticos – Jaime Cortesão e Vitorino Magalhães Godinho.
Presumo que essas conotações resultem do facto de este período ter sido muito celebrado pelo Estado Novo. Temos a avenida das Descobertas, o Padrão dos Descobrimentos…
É verdade. Mas se olhar para trás verá que todos os regimes anteriores a Salazar fizeram de Portugal o país dos Descobrimentos. O que aconteceu de diferente no tempo de Salazar é que houve uma guerra colonial. E aí o regime abusou da História. Mas todos os regimes autoritários abusam da História. Isso não nos pode deixar reféns para o resto da vida.
Essa carta dizia ainda que a expressão Descobertas era problemática porque os outros povos não se sentiram ‘descobertos’. Descobrimos apenas as rotas marítimas ou também descobrimos outros povos?
Descobrimos e fomos descobertos. Esse é um dos aspetos da carta que me parecem menos felizes. Cientificamente claro que houve Descobrimentos. A questão é que durante muito tempo foram vistos como um processo europeu. Isso é que está errado. A primeira vez que fui ao Japão em 1991 disseram-me isso: ‘Vocês dizem que descobriram o Japão mas nós já cá estávamos’. Certo. A palavra Descobrimentos é correta desde que lhe atribuamos um sentido global. Vou recuar um bocadinho. Quando comecei a fazer história dos Descobrimentos em 1984, a primeira coisa que aprendi foi que não podia fazer uma História colonialista, uma História que visse os portugueses como os únicos sujeitos da ação. Não se podia fazer história dos Descobrimentos sem perceber as histórias locais.
É preciso olhar para os dois lados?
Achamos que o exótico é sempre o outro, esquecendo-nos que onde chegávamos nós é que éramos os exóticos. Isso está sublimemente mostrado nos biombos namban ou na Praça de Naqsh-e Jahanem, em Isfahan, que era a capital do império safávida no século XVII.
Isso é no Irão?
Sim. Há lá um fresco onde os portugueses estão representados não como perigosos conquistadores, mas como uns exóticos tocadores de viola. Quem é que o mandou pintar? Um sultão que esteve em conflito com os portugueses, mas fá-los representar na sua praça, uma das mais bonitas do mundo, como uns tipos exóticos de chapéu e a tocar viola. Em cada momento em que um navio português chegou pela primeira vez a esses territórios houve de facto um descobrimento mútuo. Nalguns casos as pessoas desses sítios nunca tinham visto um objeto tão estranho como um navio, e começaram a perceber que no mundo havia coisas novas. Quando os portugueses dizem ‘nós fizemos os Descobrimentos’ e os outros dizem ‘nós não fomos descobertos’, estão ambos a colocar-se numa barricada.
E como se sai daí?
Cada vez mais insisto que os Descobrimentos são o princípio da globalização. Os autores da história económica e social do mundo usaram a palavra ‘descompartimentação’, Ferdinand Braudel chamou-lhe ‘desencravamento’. Ou, como disse Russell Wood, ‘o mundo entrou em movimento’. Se dermos aos Descobrimentos a imagem não de um processo português, mas de um processo mundial desencadeado pelos portugueses, passa a ser uma palavra mundial que reflete aquilo que aconteceu de facto: por todo o mundo houve o descobrimento de uma nova realidade que nenhum ser humano até ao século XV/ XVI conseguiu imaginar. Antes dos Descobrimentos nenhum ser humano sabia o que era o Planeta Terra, qual a sua configuração, ninguém tinha a noção dos continentes e dos oceanos.
Isso está evidente nos mapas…
A ideia de que ‘fomos os maiores’ é um disparate, mas que fomos importantes fomos – e somos. Basta dizer que a história económica e social do mundo pela qual eu estudei na licenciatura, um trabalho dos anos 70 feito por uma equipa francesa, começava com o mundo nas vésperas dos Descobrimentos. Eram sociedades compartimentadas, fechadas, que não se conhecem umas às outras. O Atlântico era um oceano não navegado, a não ser junto à costa europeia, e um oceano que é a barreira à circulação da humanidade em menos de um século torna-se o eixo de comunicação da humanidade.
Uma espécie de autoestrada?
Exatamente. Isto é uma revolução e foram os portugueses que a desencadearam. Isso torna-nos os maiores do mundo? Claro que não. Mas também não nos torna uns assassinos. Torna-nos os autores deste processo, que depois tem um conjunto de consequências. Foi um processo violento? Foi. Mas nós que aqui estamos somos descendentes de quantos povos violentos? Os romanos, os visigodos – nenhum dos povos de que descendemos, e são vários, chegou cá por convite, tirando aqueles que comerciaram na costa.
Curiosamente a Expansão até começa de forma pouco auspiciosa… Ceuta torna-se uma cidade sitiada, que tem de ser abastecida de fora, um sorvedouro de dinheiro. Esta experiência não foi dissuasora?
Isso é uma perspetiva que eu tenho procurado alterar. Para falar do fracasso de Ceuta baseamo-nos numa carta do infante D. Pedro, que era uma pessoa contrariada – foi afastado do comando de Ceuta, a que teria direito, portanto ficou bastante envinagrado. Claro que Ceuta perdeu dimensão económica. Era uma cidade com 30 mil habitantes, luxuosa, e passou a ser uma guarnição militar com dois mil soldados. Mas achar que D. João I estava à espera que as rotas caravaneiras continuassem a ir para lá é o mesmo que dizer que ele era estúpido, coisa que não me parece. É bom não esquecer que nessa altura o estreito de Gibraltar ainda está nas mãos dos mouros. A partir do momento em que os portugueses se estabelecem em Ceuta, toda a Cristandade que faz a ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico passa a ter ali um porto de escala. E a escala não é grátis: paga-se e não é em alfaces nem em sacos de trigo – paga-se em ouro. A prova do sucesso de Ceuta é que quando o infante D. Fernando fica refém em 1437 nem a Coroa portuguesa nem os nossos aliados cristãos querem que os portugueses entreguem a cidade.
Tinha de haver uma razão forte…
O sucesso de Ceuta foi tão grande que valeu o sacrifício de um infante. Cada vez que dizemos que Ceuta foi um fracasso estamos a ofender a memória do infante D. Fernando que ficou lá precisamente porque Ceuta era importante – para toda a Cristandade mediterrânica.
Além dos confrontos, da face mais violenta, a Expansão também teve aspetos mais benignos?
O processo no século XV é um processo pacífico de estabelecimento de relações comerciais com os povos africanos que queiram estabelecer relações com os portugueses. Basta ler o Esmeraldo de Situ Orbis, do início do século XVI. Diz mais ou menos isto: ‘Neste porto os negros não querem fazer negócio. Naquele querem, e fazemos negócio de acordo com os preços que eles impõem’. A primeira viagem de Vasco da Gama é uma viagem de exploração pacífica dos mercados. É perante a presença dos muçulmanos que se vai enveredar por uma política belicista.
Foi um processo colaborativo, por vezes?
Sim. Até ao século XIX não há capacidade da parte dos europeus de se instalarem em África devido à malária. E não há capacidade militar para entrar em África. Portanto toda a presença europeia…
… teve de ser consentida?
Mais do que consentida, teve de ser feita em aliança com algumas populações locais. Isto vai até à prisão do Gungunhana: quando Mouzinho de Albuquerque entra em Chaimite [em 1895] tem 2500 guerreiros africanos a apoiá-lo. Esse é mais um mito eurocêntrico da história da Expansão: o mito de que os portugueses chegaram, viram e venceram. Em lado nenhum foi assim. Não conheço nenhuma grande conquista portuguesa, castelhana, mesmo inglesa, nos séculos XV, XVI e XVII, que não tenha sido feita com base em alianças locais. Porque é que os portugueses conseguem fixar-se na Índia? Porque o arqui-inimigo do samorim de Calicute, que era o rei de Cochim, imediatamente chamou os portugueses e disse: ‘Quem pimenta? Está aqui. E já agora emprestem-me os vossos canhões para dar uns tirinhos naquele homem que vos está a aborrecer’. O sultão de Melinde, que até é muçulmano, acolhe o Vasco da Gama. Porquê? Porque é inimigo do sultão de Quíloa. E isto não se passa só com os portugueses. Porque é que o Cortez com 300 homens conquistou a capital dos astecas? Não foi por ter 300 bravíssimos castelhanos – foi porque tinha a seu lado milhares e milhares de tlaxcalas. Quem eram os tlaxcalas? Eram aqueles desgraçados que todos os dias eram sacrificados no alto das pirâmides dos astecas. E entre serem sacrificados pelos astecas e verem o que aquilo dava, apoiaram os castelhanos. Há outro mito: o mundo era um Eldorado até que os europeus chegaram e estragaram isto tudo.
Quase como se o homem tivesse sido expulso do Éden pelo pecado original.
Infelizmente algumas pessoas deixam-se levar por isso. Mas o mundo não era um Eldorado em lado nenhum. Em todo o lado os homens guerreavam e abusavam uns dos outros.
Era a lei do mais forte…
O que os europeus fizeram foi estabelecer diálogo com os campeões regionais da brutalidade. Havia hegemonias regionais – e nenhuma hegemonia regional tinha sido feita com flores. Esta ideia de que os europeus de repente desestruturaram o mundo está completamente errada. Não, os portugueses agregaram o mundo. Pela violência – também, evidentemente. Mas tudo o que estava agregado regionalmente também o tinha sido pela violência. Insisto: a ideia do Eldorado é um mito e é preciso ser muito ingénuo para continuar a acreditar nela.
Há tempos uma pessoa dizia-me que «Portugal escravizou, torturou e violou milhões de vidas em nome de Deus, do Rei e das riquezas de aquém e de além mar» e que aquilo que referimos como grandes feitos resumiu-se a exploração e barbaridade. Houve ou não houve grandes feitos?
Claro que houve. Houve a transformação de um mundo que estava repartido em pequenas unidades num mundo global. Esse feito tem uma data concreta: arrancou em 1434 [ano em que Gil Eanes dobra o Cabo Bojador]. Aliás houve tentativas de globalização anteriores aos portugueses. Os viquingues têm um processo muito semelhante 700 anos antes: um navio espetacular, capacidade de orientação no mar alto, uma sociedade que quer colonizar, guerrear e pilhar. Só que partiram do gelo e portanto foram parar ao sítio errado. Há o caso dos chineses, que um ano antes de o Gil Eanes passar o Cabo Bojador estão na Costa oriental africana. Mas quando o imperador dá uma ordem para a frota voltar para trás eles voltam, por um lado porque o espírito individualista não é tão forte, por outro lado porque não têm uma motivação religiosa forte. Os muçulmanos estavam num processo de globalização a partir do centro da Eurásia, portanto não precisavam do oceano para o fazer. O desafio que eu deixo às pessoas é o seguinte: vão aos países por onde os portugueses andaram e vejam que memória lá está. Porque basta fazer meia dúzia de fotografias nos sítios certos e estragamos todas as teorias sobre a brutalidade dos portugueses.
Pode dar exemplos?
O caso mais extraordinário é o da Ilha de Moçambique. No tempo do Estado Novo os portugueses fizeram lá uma estátua ao Vasco da Gama, que em 1975 foi apeada – naturalmente. E da mesma maneira que foi apeada já lá está outra vez. Que eu saiba não foram os Comandos portugueses, não houve nenhuma carta do Estado Português a reclamar – aquela estátua voltou a ser lá posta pela população local. As pessoas da Ilha de Moçambique não têm problema nenhum de ter no centro do seu território a estátua de um homem que ao passar por ali pôs a ilha no mapa e deu-lhe uma nova vida. Não conheço ninguém sério que diga que não houve violência no processo de Expansão. Agora, não pode reduzir a Expansão portuguesa a isso. Como lhe disse, chegamos à Pérsia, e temos os portugueses não como os tipos que queimaram Ormuz e mataram não sei quantos persas, mas como tocadores de viola. Vou ao Barhein e tenho a fortaleza portuguesa reconstruída porque é património da Unesco. Vou ao Museu de Mascate e diz lá: ‘Esta nação começou quando fomos capazes de rejeitar os portugueses’. Vou ao Japão e vejo estátuas aos portugueses desde Tanegashima até Quioto.
Já foi a esses sítios todos?
Para falarmos destas coisas temos de ir aos sítios. Se formos a Malaca, na Malásia, há menções à conquista dos portugueses, mas não há a ênfase no massacre. A maior parte deste grupo que tem diabolizado a Expansão portuguesa são pessoas que se focam no Atlântico, e no Atlântico há um aspeto incontornável: o processo escravocrata deve ter provocado a maior migração forçada da história da humanidade. Não vale a pena iludi-lo nem negá-lo. É um facto. O que mais querem que se diga sobre o assunto? Toda a evolução da humanidade se fez sempre com custos pesadíssimos para a população – e o processo de afirmação da Europa no mundo também se fez com base no sacrifício de milhões de europeus. Hoje, alguém o está a pagar o conforto que temos no Ocidente. E o curioso é que não vejo os mesmos ativistas a fazerem campanhas contra o trabalho infantil nos países da Ásia ou contra a escravatura que continua a existir em África.
Quando olhamos quer para o Brasil, quer para os países africanos que foram colonizados pelos portugueses, hoje são estados cheios de problemas e com índices de violência muito altos. Acha que isso pode ter a ver com o legado que lhes deixámos?
Uma das tentações que temos é continuarmos a ser neocolonialistas, a dizer ‘coitadinhos’. Qualquer desresponsabilização de 200 anos de História é minorar o Brasil. A Expansão tem méritos extraordinários e um deles é ter ‘inventado’ o Brasil. Olhe para o continente americano. O único país que ficou praticamente como era no momento da saída dos colonialistas foi o Brasil, que só não se fragmentou como se fragmentou a América Latina e espanhola porque foi um príncipe português, e não um carioca, um gaúcho ou um pernambucano, a dar o grito do Ipiranga. Quanto aos problemas das antigas colónias em África, são iguais aos problemas das antigas colónias francesas ou inglesas. Enquanto o mapa político africano for o mapa inventado pelos europeus depois da conferência de Berlim [1884-85], África estará sempre maltratada. E depois os europeus saíram mas continuam a explorar miseravelmente África. As elites africanas que governam drenam para as multinacionais ocidentais capitalistas e apátridas deste mundo a maior parte da sua riqueza. Isso não é um problema da colonização portuguesa em particular.
No último 10 de junho Catarina Martins disse que o Presidente tinha perdido uma oportunidade de pedir desculpa pelo que os nossos antepassados fizeram. Como historiador acha que temos de pedir desculpa?
Sou contra os pedidos de desculpa. Nem os portugueses têm de pedir desculpa, nem os viquingues não têm de nos pedir desculpa a nós por terem vindo cá atacar-nos e violar as nossas mulheres. Sou contra qualquer pedido de desculpa que tenha a ver com a História. Esta sociedade sim, devia pedir desculpa às crianças do Bangladesh e de alguns pontos da China pela forma como tem convivido tranquilamente com o abuso a que eles estão sujeitos para termos camisolas e sapatos baratos. Aos meus contemporâneos eu devo pedir desculpa, na História os pedidos de desculpa mão fazem sentido. É uma visão maniqueísta que eu não perfilho. Sou historiador, não sou juiz.
Há historiadores dos países que foram colonizados por nós que mostrem ressentimento?
A mim, pessoalmente, não. Mas evidentemente há um grupo que tem uma visão mais dramática destes acontecimentos. É uma maneira de ver a História que me parece desequilibrada. Eu procuro em cada momento fazer uma História total, e a História total faz-se com todos os factos que conhecemos. Se assim for, mesmo quando tenho violência, tenho conivências e alianças que têm que ser percebidas. Essa ideia de que os europeus puseram e dispuseram do mundo não é verdade. Os primeiros ingleses que se estabeleceram na América do Norte só sobreviveram porque os índios lhes ofereceram comida, se não tinham morrido todos no inverno.
Antes desta polémica sobre os Descobrimentos houve uma manifestação em que chamaram ‘escravagista seletivo’ ao Padre António Vieira. Está em curso uma campanha para fazer dos portugueses os maus da fita?
Não tenho elementos concretos de que estejam a tentar fazer destes ou daqueles os maus da História. A pergunta que me faço, e para a qual não tenho resposta é: ‘Porquê? Quem é que ganha com isto?’. Antes desta polémica, durante muito tempo, os maus da História eram os espanhóis, que eram vistos como os grandes destruidores.
Que dizimaram os indígenas.
Mas quando vamos à América Latina, continuamos a ver índios por todo o lado. Como é que mataram os índios todos? Esse mito dos espanhóis eu sei quem o promoveu. Os filmes da Disney contribuíram muito para isso, porque mostram uma América que está muito quietinha, muito feliz, e de repente aparecem os malandros dos europeus e estragam tudo. A verdade é que viviam todos em guerra uns com os outros e com atos de grande crueldade. Uma das primeiras coisas que faço é perguntar aos meus alunos quem foi o povo ocidental responsável pelo genocídio de índios. Dizem primeiro os espanhóis e depois portugueses. Depois dizem franceses, ingleses… Nunca dão a resposta certa.
E qual é a resposta certa?
Os norte-americanos. Não tenho dúvidas de que grande parte desta campanha é orquestrada por universidades norte-americanas e anglo-saxónicas em geral.