Como terminar uma série quando a estrela da companhia morre a meio das filmagens? Dois meses passados sobre o suicídio de Anthony Bourdain em França, a CNN parece ter encontrado a solução para este problema espinhoso. A cadeia norte-americana anunciou esta semana que a 12.ª Temporada de Parts Unknown (Viagem ao Desconhecido, que em Portugal tem passado no canal 24Kitchen) vai mesmo para a frente, apesar de apenas um episódio ter ficado concluído. Segundo a revista Esquire, caberá a esse episódio rodado no Quénia – onde Bourdain sobrevoou a savana numa pequena avioneta e saboreou uma Tusker, a famosa cerveja local – fechar com chave de ouro a série de culto do antigo chefe.
O menu para o resto da temporada inclui passagens pelo Lower East Side de Manhattan, pela faixa do Texas ao longo da fronteira com o México conhecida por ‘Big Bend’, pelas Astúrias (Espanha) e pela Indonésia, sendo cada programa feito a partir de material reunido durante a rodagem, complementado com novas filmagens feitas pelos realizadores que acompanharam sempre Bourdain. Só faltará a narração com a voz carismática, a descontração e a fina ironia do autor, que será colmatada por trechos captados durante as gravações e por entrevistas a outros intervenientes.
«Os episódios terão a presença do Tony por inteiro porque vocês vão poder vê-lo, ouvi-lo e olhar para ele», esclareceu Amy Entelis, vice-presidente executiva da CNN para talentos e conteúdos, ao LA Times. «Só vai faltar essa camada da sua narração, que será substituída pelas vozes de outras pessoas».
A felicidade segundo Tony
Bourdain, que era visto como um guru da comida e da boa vida, foi encontrado morto no seu quarto de um hotel de cinco estrelas na Alsácia. O seu passado nem sempre fora radioso, longe disso – empregos esgotantes e mal pagos, toxicodependência e alcoolismo -, mas o antigo chefe parecia ter conseguido deitar os problemas para trás das costas. Ao fim de longos anos de erros e devaneios, encontrara a sua vocação: viajar, procurar as melhores comidas, conhecer outras pessoas e outras culturas e escrever livros e programas de televisão sobre isso. Tinha um emprego de sonho para qualquer um: fazia aquilo de que mais gostava, era idolatrado por legiões de fãs e pago principescamente. Tinha uma filha de 11 anos e pouco tempo antes de decidir suicidar-se por enforcamento iniciara uma relação amorosa com a atriz Asia Argento.
Ao mesmo tempo que reunia condições materiais invejáveis, parecia ter adquirido uma sabedoria sólida que resulta de uma combinação de inteligência e experiência de vida. Revelava-a através de tiradas lapidares nos seus programas, mas também em entrevistas, como a última que se conhece, concedida a uma publicação independente norte-americana chamada Populo, e publicada uma semana depois da sua morte. Acerca da felicidade, dizia: «Os meus momentos mais felizes durante as filmagens não são na varanda de um hotel muito bonito. Isso é um tipo de experiência agridoce – se não melancólica – alienante, na melhor das hipóteses. Os momentos mais felizes são sempre fora do alcance da câmara, geralmente com a minha equipa, quando voltamos de filmar uma cena e nos deparamos com um momento absurdamente lindo, deitados a céu aberto no reboque de um comboio ou a atravessar os arrozais no Camboja com fones nos ouvidos … isso é luxo, porque eu nunca poderia ter imaginado vir a ter a liberdade ou a capacidade de me encontrar num lugar desses, a olhar para essas coisas».
Ao longo dos 96 episódios das temporadas anteriores de Parts Unknown, Bourdain explorou a comida, a cultura e a mística dos lugares mais díspares, desde grandes cidades americanas a lugares remotos e misteriosos, como Madagáscar, Adis Abeba (Etiópia) ou o fechado reino do Butão.
A 12.ª temporada será a última etapa desta odisseia. Para os fãs, será uma espécie de dádiva. Mas, usando a expressão de Bourdain, deixará um sabor «agridoce».