Jean-Pierre Bemba aterrou em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, com centenas de apoiantes à sua espera no início de agosto. Ao seu lado, passando despercebida, estava a sua mulher, Lillian Teixeira, portuguesa de 55 anos. Se Bemba ganhar as próximas eleições presidenciais a 23 de dezembro, Teixeira poderá ser a próxima primeira-dama do país, a primeira portuguesa no cargo. A vida e percurso político de Jean-Pierre Bemba e a sua relação com Lillian Teixeira e a sua família é representativa dos interesses que governam o continente africano há décadas.
Nascido em 1962 e filho de Bemba Saolona, próximo de Joseph Mobutu, presidente apoiado pela CIA norte-americana, Bemba nasceu na cúpula do poder congolês e por aí se manteve até o presidente Laurent Desire Kabila tomar o poder em 1997. Estudou Ciências Económicas na Bélgica e voltou ao Congo para seguir as pisadas do pai: transformar-se num milionário congolês com fortes ligações ao poder. Pelo meio, casou com Lillian Teixeira e, hoje, têm cinco filhos, dois rapazes e três raparigas. O pai de Lillian, António Teixeira, natural de Trás-os-Montes, emigrou primeiro para o Brasil e, depois, para o ex-Zaire, onde Lillian viveria parte da sua vida. Hoje, António Teixeira vive na África do Sul.
Com o golpe de Estado de Kabila, Bemba enredou-se no mato do Congo para, com a guerrilha por si fundada, o Movimento para a Libertação do Congo, combater o novo regime. Contou com o apoio do ainda presidente do vizinho Uganda, Yoweri Museveni, para o treino das suas forças e financiamento. Os combates arrastaram-se por cinco meses e milhares de pessoas morreram, não esquecendo os deslocados causados pelo conflito entre os dois lados da barricada. Bemba fez alianças com a República Centro Africana, com a Líbia de Muhammad Khadaffi e com antigos militantes da UNITA. A sua base política encontrava-se na Bélgica, onde contava com o apoio de Estados europeus. Como se dos tempos da antiga Guerra Fria se tratasse, Kabila e Bemba eram apoiados por diversos Estados numa guerra pelo poder e controlo dos recursos do Congo. No xadrez da região, a família Teixeira desempenhou um papel de destaque no apoio a Bemba. O irmão da sua mulher, Anthony Teixeira, tornou-se conhecido por negociar diamantes de sangue, trabalhar com redes criminosas e participar em operações com mercenários para ajudar Bemba a atingir os seus objetivos. Segundo o site Toward Freedom, os diamantes de sangue beneficiaram de certidões que atestavam que as pedras preciosas não eram provenientes de zonas de conflito, com Bemba a mover, por vezes, montantes acima dos três milhões de dólares (cerca de dois milhões de euros) que lucrava. Os negócios de Teixeira estenderam-se inclusive à República Centro Africana por via das empresas Central Africa Mining Company e Central Africa Company. Em janeiro de 2000, o secretário dos Negócios Estrangeiros para os Assuntos Africanos britânico, Peter Hain, acusou Teixeira de estar envolvido em negócios de diamantes de sangue em África. «Apenas posso presumir que o senhor Hain recebeu informações dos serviços de inteligência sobre outro homem. Teixeira é um nome português muito comum», disse Anthony Teixeira ao Guardian na altura. Em Portugal ainda poderá sê-lo, mas não em África.
E se os negócios não bastassem, as forças de Bemba chegaram inclusive a apoiar o presidente Ange-Félix Patassé, da República Centro Africana, a reprimir tentativas de golpe de Estado entre 2002 e 2003. Um apoio que mostrou não ser suficiente para evitar a subida ao poder de François Bozizé, substituindo Patassé, e que viria a mostrar-se fatal no percurso político de Bemba.
Sem qualquer desfecho de vitória no horizonte, Bemba e Kabila assinaram um acordo de paz e o primeiro ocupou o cargo de vice-presidente até 2006, quando eleições presidenciais foram realizadas. Nestas, já não defrontou Laurent Desire Kabila, mas o seu filho, Joseph Kabila, com este último a alcançar os 44% dos votos contra os 20% de Bemba. Ainda assim, o magnata congolês tornou-se senador. Nos meses que se seguiram, Bemba recusou-se a integrar os homens da sua mílicia no exército congolês e foi alvo de várias tentativas de assassinato, conseguindo escapar. Sob risco de vida, Bemba viajou até Portugal para, alegadamente, receber tratamento médico por causa de uma fratura antiga numa das pernas. Aterrou no aeroporto de Faro num avião privado e alojou-se na Quinta do Lago, no Algarve, com a sua mulher e cinco filhos. Para que Portugal não fosse palco de nenhuma manobra de assassinato político, o Estado português destacou agentes à paisana para protegerem a casa onde o congolês se encontrava.
No entanto, não conseguiu escapar ao longo braço do Tribunal Penal Internacional, depois de, em 2004, Bozizé ter pedido ao Tribunal para investigar os crimes cometidos pela milícia do líder congolês na República Centro Africana nos cinco meses em que as suas forças militares se enfrentaram. Bemba foi acusado de oito crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo tortura e assassinato, mas também canibalismo. Segundo a procuradora Petra Kneur, Bemba deu ordens à sua mílicia para «traumatizar e aterrorizar» o povo da República Centro Africana. «Para o fazer, escolheu a violação como o seu principal método», afirmou a procuradora, acrescentando que «os homens de Bemba avançaram de casa em casa, pilhando e violando mães, mulheres e filhas». Foi condenado e passou dez anos na prisão até, a 8 de junho, a instância judicial de Haia aceitou um dos seus recursos, com três votos a favor e dois contra, declarando-o inocente.
Ilibado dos crimes e em liberdade, Bemba voltou à RD Congo para se candidatar às eleições presidenciais deste ano – e ao seu lado tem a sua mulher, Lillian. Desta vez não defrontará o seu histórico rival, Joseph Kabila, por este estar impossibilitado de se candidatar pela Constituição, mas ainda assim poder-se-à ver impedido de participar por a coligação no poder, apoiada por Kabila, estar a tentar invalidar o recurso de Bemba no TIP por alegadas manipulações de testemunhas. Por agora, Bemba é o principal candidato da oposição e um dos possíveis vencedores da disputa nas urnas. E a sua mulher continua ao seu lado, participando em iniciativas de rua na campanha eleitoral. «Sou crente e a Bíblia diz que a mulher é o apoio do marido», disse numa entrevista ao Afrikblog em 2010.