O consumo de drogas está a aumentar nos Estados Unidos e com ele os casos de sobredosagem, muitas delas fatais. É hoje a principal causa de mortalidade. Na quarta-feira, pelo menos 76 pessoas sofreram overdoses no parque New Haven Green, nas proximidades da Universidade de Yale, no Connecticut. Tinham acabado de fumar uma mistura de marijuana com fentanyl, um opiáceo entre 30 a 50 vezes mais forte que a heroína. Os paramédicos viram-se obrigados a esforço suplementar e a necessidade de transporte para o hospital ocupou muitas das ambulâncias disponíveis. Duas das pessoas levadas para o hospital estão em estado crítico. A polícia anunciou a detenção de um homem suspeito de vender a substância a algumas das vítimas.
“As pessoas estão a automedicar-se por diferentes razões e todas as agências – polícia, bombeiros, paramédicos, hospitais – estão assoberbados. Este problema não irá desaparecer”, disse o comandante dos bombeiros de New Haven, John Alston Jr., em conferência de imprensa. E não é a primeira vez que o parque é palco destas situações. No mês passado, dezenas de pessoas tiveram de ser assistidas pelos paramédicos por fumarem a mesma mistura de fentanyl e marijuana.
Longe de ser apenas um caso isolado, a realidade vivida no parque New Haven Green é um espelho da epidemia de droga que está a varrer os Estados Unidos. Um relatório preliminar da agência federal Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) prevê que no ano passado tenham morrido 71 568 pessoas por excesso de drogas, um aumento de seis mil mortos (9,5%) face a 2016. Número que perfaz 200 mortes por overdose por dia ou uma a cada oito minutos.
O excesso de drogas tornou-se na principal causa de mortalidade nos Estados Unidos. Ainda que o CDC e o FBI demorem a divulgar as estatísticas da mortalidade em acidentes de viação ou com armas de fogo, o Guns Violence Archive, uma ONG que monitoriza as mortes com armas de fogo, excetuando os suicídios, afirma que, em 2017, morreram 15 636 pessoas vítimas de armas de fogo. E, segundo o CDC, morreram, em 2015, 36 161 pessoas em acidentes de viação nas estradas norte-americanas. Os número referentes a 2016 e 2017 ainda não foram disponibilizados pela agência federal.
O primeiro lugar das drogas entre as causas de morte no país deriva essencialmente de dois fatores: o de muitos mais norte-americanos estarem a consumir opiáceos e de as drogas serem mais mortíferas, com o segundo a assumir-se como a causa principal.
Segundo Dan Ciccarone, professor de medicina comunitária e familiar na Universidade da Califórnia, em São Francisco, calcula-se que cerca de quatro milhões de norte-americanos sejam viciados em opiáceos. Para Brandon Marshall, professor associado de epidemiologia na Universidade de Brown, o número de consumidores está a aumentar, mas “não a uma taxa exponencial”, explicou em declarações ao “New York Times”. Ao invés, o especialista prefere focar a atenção no segundo fator: “O fator dominante é a mudança da distribuição”, com o fentanyl a invadir as ruas dos EUA. Enquanto o consumo do opiáceo – e consequentes sobredoses – vem aumentando, o da cocaína e heroína tem diminuído, bem como as mortes por estas provocadas.
Ao contrário da cocaína ou heroína, o fentanyl não provém de qualquer planta, sendo produzido exclusivamente em laboratório. Por agora, a sua produção apenas se encontra ao alcance de organizações narcotraficantes internacionais, principalmente no México e China. E basta um erro na sua produção para o que deveria ser uma dose normal se tornar fatal. “Mesmo quando se pensa que a situação está a melhorar, basta um mau lote [de fentanyl] em qualquer estado para ter mortes”, explicou Mark Levine, médico e comissário de saúde no estado do Vermont, onde se assistiu a um aumento de óbitos em 2016.
E se por si só o fentanyl já é bastante perigoso para os consumidores, misturado com cocaína, heroína ou marijuana transforma-se numa substância letal. Tornou-se comum os traficantes misturarem-no com outras drogas antes de o venderem para reduzirem os custos e terem mais lucros. Nos EUA, a mistura com a marijuana é conhecida como “K2”, enquanto no México o seu cruzamento com heroína chama-se “El Diablito”. Por fim, na China a sua combinação com cocaína chama-se o “furador” e chega a território norte-americano por encomendas do correio – e a partir daí as suas doses são vendidas nas ruas e jardins pelos dealers.
Ainda que a epidemia afete todo o país, a sua intensidade varia de estado para estado. A Virgínia Ocidental é o estado onde se registou o aumento mais significativo, chegando a 58,7 mortes por cada 100 mil habitantes, seguido do distrito de Columbia (50,4), Pensilvânia (44,1), Ohio (44) e Maryland (37,9). Há, no entanto, estados em que se registou uma diminuição no número de mortos, como é o caso do Vermont e do Massachusetts. O Nebraska apresentou o número mais baixo em 2017 – 8,2 mortos.
A epidemia de opiáceos nas ruas começou ainda durante a administração de Barack Obama, com os especialistas em saúde a acusarem-na de ter demorado a delinear uma resposta federal. A chegada de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro de 2017, parece não ter mudado muito, ainda que o presidente tenha declarado a epidemia como “uma emergência de saúde pública”. O congressista democrata Patrick Kennedy, convidado pela administração Trump para integrar uma comissão para delinear uma estratégia de combate ao consumo de drogas, criticou a presidência por “falar muito e fazer pouco”, não tendo atribuído financiamento aos estados para poderem lidar com o problema.
Opinião que não é partilhada por Chris Jones, diretor do Laboratório Nacional de Saúde Mental e Consumo de Substâncias, que garantiu haver “muito dinheiro a ser injetado no sistema e que demora a ser traduzido em novas infraestruturas”. “É particularmente verdade nos locais onde nada existia até agora”, acrescentou.
Entretanto, vários projetos lei deram entrada no congresso norte-americano, aprovados pela Câmara dos Representantes, estão agora à espera de dar entrada no Senado. Uns focam-se na redução da prescrição médica de opiáceos, enquanto outros se debruçam sobre a reabilitação, preconizando o alargamento do tratamento a quem já é consumidor destas substâncias.