Na entrevista que deu ao jornal Expresso na semana passada, António Costa lançou o debate sobre a desigualdade salarial nas empresas privadas. «É fundamental as empresas alterarem radicalmente as suas políticas sociais», defendeu o primeiro-ministro, acrescentado que «a política salarial das empresas hoje é inaceitável».
António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), refere ao SOL que o Estado pode opinar sobre o assunto, mas que a decisão é das empresas. «Cabe às empresas e cada uma é soberana nessa decisão. Têm acionistas, têm comissões de vencimentos e comissões de remunerações. Obviamente, o Estado enquanto regulador terá as suas opiniões, mas só isso», argumenta.
No plano do Governo até 2019, está previsto um aumento do salário mínimo para 600 euros ou mais. Sobre isso, o presidente da CIP afirma que «deve ser a economia a decidir os salários e não o Governo». «A economia é que deve decidir, em função de critérios objetivos, como ganhos de produtividade, crescimento económico e inflação», explica.
Também João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), afirma que é «contra qualquer intervenção legal» na política salarial das empresas privadas. «Os salários, nomeadamente as remunerações dos gestores, são da responsabilidade dos acionistas. Acho que os Governos não têm de se meter nisso», disse ao SOL o presidente da CCP.
No que diz respeito ao salário mínimo, João Vieira Lopes refere que um aumento é «positivo». Contudo, alerta que, com um aumento, passa a haver «mais pessoas a ganhar o salário mínimo e há uma aproximação ao salário médio».
Do lado dos trabalhadores, Arménio Carlos, o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), indica ao SOL que António Costa «constata o óbvio» quando fala das disparidades salariais no setor privado, mas que «não responde ao àquilo que é fundamental: a alteração laboral».
«As questões de fundo das desigualdades salariais têm ligação direta com a legislação do trabalho que hoje temos que é claramente com base numa política de direita. Portanto, não há política de esquerda enquanto não se romper com a legilação do trabalho de direita», defende.
O sindicalista refere que o governo tem agora uma oportunidade de mudar a legislação laboral, mas que «está mais interessado em fazer coligações com a direita nesta área do que em conjugar as suas posições com os restantes partidos de esquerda e com a CGTP».
Já Carlos Silva, secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), ficou surpreendido com a entrevista, porque afirma que António Costa nunca transmitiu à UGT a preocupação com a desigualdade salarial nas empresas. «Não temos conhecimento que essa consciência do Primeiro-ministro tenha sido já transmitida aos parceiros sociais», refere ao SOL.
O líder da UGT afirma que está agora à espera que a preocupação de Costa se transforme «numa questão prática» e que o representante do primeiro-ministro na concertação social, o Ministro Vieira da Silva, apresente propostas para resolver o problema nas próximas reuniões agendadas para setembro. «Quando numa entrevista de muitas páginas dada a um jornal refere essa preocupação, mal ficaria se não transformasse a preocupação numa questão prática», alerta.
Como medidas para combater a disparidade salarial nas empresas, Carlos Silva propõe um reforço da negociação coletiva e dos mecanismos de aproximação entre trabalhadores e patrões. «Se não conseguirmos por aqui, também podemos apresentar propostas alternativas, como penalizar as grandes fortunas», sugere.
O Bloco de Esquerda aproveitou que António Costa lançou o tema e entregou ontem no Parlamento uma proposta de lei para excluir as empresas com elevadas disparidades salariais de concursos públicos e de apoios do Estado. Os bloquistas desafiam o Governo a estabelecer o que é uma diferença salarial aceitável e, a partir daí, a castigar as empresas que ultrapassem o limite vedando-lhes o acesso a apoios públicos.
Maior crescimento do século
Ainda na entrevista ao Expresso, António Costa defendeu que Portugal conseguiu uma «recuperação extraordinária», alcançando o «maior crescimento económico do século».
Ao SOL o economista Mira Amaral explica que as contas do primeiro-ministro estão certas, contudo refere que na comparação com os outros países da União Europeia as coisas não são bem assim. «No caso português é verdade, só que a nossa miséria é tal que, como normalmente não crescemos nada, crescemos agora alguma coisinha. Isso para mim não diz nada. O que importa ver é em relação aos países da União Europeia da nossa dimensão. E aí crescemos muito menos que eles», argumenta.
Além disso, Mira Amaral refere que o crescimento económico de Portugal se deve a uma «conjuntura fabulosa». «A Europa a crescer, as taxas de juro do BCE baixas, o nível do petróleo baixo e o boom turístico são os quatro fatores que explicam o crescimento. E é uma conjugação difícil de repetir», afirma.
Segundo o economista, as projeções indicam que, até 2025, Portugal vai ser ultrapassado por todos os Estados-membros da União Europeia em termos de crescimento, «até pela Grécia», e que será um dos países mais pobres da Europa.
«O primeiro-ministro tenta vender o seu produto, mas daí até nós o comprarmos vai uma diferença. Isto é miserável e não percebo como é que não há um sobressalto cívico nesta sociedade. Como é que tudo fica satisfeito com uma coisa dessas. Portugal é um país sem ambições», alerta.