A história parece repetir-se. Em março de 2010, no seguimento de uma investigação que dava conta da existência de abusos sexuais de menores na Igreja da Irlanda, encobertos durante 40 anos, o então Papa Bento XVI escrevia uma carta de perdão aos católicos irlandeses. Mais de oito anos depois, é a vez do Papa Francisco ter de gerir um escândalo de pedofilia, desta vez no estado na Pensilvânia. E de escrever, também, uma carta.
Num texto com quatro páginas, o Papa admite que a Igreja falhou e pede aos fiéis que rezem e façam jejum. “Sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz”, começa por escrever Francisco, admitindo “vergonha a arrependimento”. “Assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar (…). Negligenciámos e abandonámos as crianças”, continua o texto, referindo-se à recente investigação que expôs os abusos de 300 padres a pelo menos mil crianças entre 1940 e 2000, encobertos pelas altas instâncias da Igreja americana e do Vaticano. “Conhecemos a dor de muitas das vítimas e constatamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura de morte”, diz ainda o Papa, assumindo que “as feridas nunca prescrevem”.
Francisco assegura que a “implementação da tolerância zero” face a abusos sexuais no Clero é para continuar, mas pede aos católicos que façam penitência, através “da oração e do jejum”, pelos pecados da Igreja. E aponta o dedo às autoridades eclesiásticas dos locais onde houve abusos, acusando-as de “clericalismo”.”Dizer não ao abuso é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo”, lê-se na carta. “É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos e todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros”, lê-se ainda.
A carta, divulgada esta segunda-feira, surge na sequência de um relatório do Supremo Tribunal da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que documenta a existência de 300 alegados padres violadores e pelo menos mil vítimas menores – a maioria rapazes, que foram assediados, tocados, violados ou obrigados a consumir álcool e pornografia desde 1940 até ao início de 2000. Ao longo de 900 páginas, o relatório dá conta de que os líderes da Igreja optaram por “proteger os abusadores”, sendo que o alegado “encobrimento” terá ocorrido com a conivência não só de altos responsáveis da Igreja da Pensilvânia, mas também do Vaticano.
Arcebispo avisa Papa No próximo fim de semana, o Papa vai à Irlanda presidir ao Encontro Mundial das Famílias. E o tema da pedofilia será incontornável. Como em todas as viagens oficiais, Francisco reunirá com entidades eclesiásticas e políticas do país, que apesar de maioritariamente católico, tem perdido fiéis – ao ponto de a Igreja ter sofrido, este ano, um duro golpe: a despenalização do aborto. Anteontem, o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, deixou uma mensagem contundente a Francisco “Não basta pedir perdão. As estruturas que permitiram ou facilitaram os abusos devem ser aniquiladas para sempre”, afirmou o arcebispo na homilia da missa que celebrou, domingo, na pró-catedral de Santa Maria, em Dublin.
Há cerca de nove anos, também a Irlanda se viu a braços com um mega escândalo de abusos sexuais de menores por parte de membros da Igreja. Uma investigação revelou como as autoridades eclesiásticas deram cobertura a abusos sexuais a crianças da região de Dublin durante décadas. O caso ensombrou decisivamente o pontificado do anterior Papa, Bento XVI – que, menos de três anos depois, a seguir ao rebentar de um outro escândalo, o “Vatileaks”, acabou por resignar, aos 85 anos, numa decisão inédita na história da Igreja.