TAP debaixo de fogo

O Estado conseguiu a maioria do capital, mas têm sido os privados a assumir os comandos. Com o número de atrasos e cancelamentos a aumentar, muitos questionam a gestão

A privatização da TAP ficou fechada em 2015, mas depressa se começou a falar em reverter a situação. Era uma bandeira de António Costa. Assim que chegou ao poder, o primeiro-ministro pôs o plano em marcha e o Estado ficou com 50% do capital social da empresa. O objetivo, de acordo com o Executivo, era recuperar o controlo estratégico da companhia aérea. No entanto, apesar de minoritário, o Consórcio Atlantic Gateway já tinha entrado em força na gestão de toda a companhia e assim continuou.

Desde então multiplicaram-se os anúncios de alterações na estratégia da companhia aérea. Com as contas a refletirem o crescimento da empresa em diversos mercados internacionais, a TAP tem-se reinventado como uma companhia em tudo diferente. Há novas rotas, novos aviões, novos nomes e até novas tarifas para combater as low cost.

Mudou quem manda, mudou quem decide, mudaram algumas das rotas, mudaram as condições para quem viaja. E vai até mudar o nome. Foi há cerca de um ano que a companhia anunciou que passaria a chamar-se TAP Air Portugal. Mas esta mudança de nome é apenas uma gota de água no oceano de alterações que têm sido feitas nos últimos tempos. Prova disso é o plano estratégico e as mudanças nos órgãos da empresa. 

No entanto, há quem aponte cada vez mais o dedo ao que se passa na TAP e às consequências que tem trazido a algumas zonas do país. Uma das regiões mais afetadas é a Madeira. Miguel Albuquerque não esconde a insatisfação e, recentemente, afirmou que «a TAP vai continuar a gozar connosco e a fazer o que quer, porque a TAP tem um problema de piromania, ou seja, quer-se destruir a si própria».

Tanto o cancelamento recorrente de voos como os problemas que têm surgido ao longo dos últimos meses por causa do subsídio social de mobilidade têm valido as mais duras críticas. Mas vamos por partes.

Nos últimos meses, os madeirenses falam em cada vez mais cancelamentos e a imprensa local tem registado situações de overbooking – em que estudantes foram expulsos de aviões por falta de lugares. A este cenário vieram somar-se relatos de atletas e empresários a andar de um lado para o outro à espera de um voo disponível.

Com cada vez mais passageiros prejudicados, Miguel Albuquerque garante que a situação sublinha que, no caso dos cancelamentos da TAP, a situação ganha especial gravidade porque falamos «de uma companhia onde o Estado tem a maioria [do capital] e há uma obrigação com a Madeira».

Para o presidente do governo regional, o que se passa com os voos da companhia nacional é «uma vergonha» e «as pessoas não podem continuar a ser tratadas como lixo». Os madeirenses não têm apoio «a nível marítimo» e o problema da TAP «é uma questão que está ser empurrada com a barriga». «A companhia aposta na Europa e esquece o quanto é fundamental para o nosso destino, já para não falar do problema da especulação de preços. As pessoas não têm disponibilidade financeira. Queremos viajar a preços acessíveis», reivindica. «O mercado é aberto, mas é preciso olhar para o abuso de preços. Pedir mais de 600 euros para fazer 900 km é demais. Não estamos a falar com atrasados mentais». Até aqui, a empresa tem justificado algumas das decisões tomadas em relação à Madeira com os limites estabelecidos por causa do vento no aeroporto do Funchal.

Também a criação da ponte aérea Lisboa-Porto trouxe problemas. Além de ser criticada desde cedo pelos empresários desta região, implicou o fim da Portugália e a polémica instalou-se. Com o aparecimento da Tap Express, os voos foram entregues à White, uma empresa privada sediada em Cascais. 

A decisão criou excedentes de pilotos no seio da Portugália e gerou indignação. Rui Moreira foi dos primeiros a questionar a escolha desta empresa «sem capital público envolvido e sem avaliação da Autoridade da Concorrência».

 

Caos nos voos

De acordo com a AirHelp, 240 mil passageiros foram afetados por perturbações em voos com partida de Portugal no primeiro semestre deste ano. Ainda que os dados não digam respeito apenas à TAP, o número de reclamações em relação a esta companhia tem crescido. Segundo os dados avançados pelo Portal da Queixa, as queixas aumentaram 133% nos primeiros meses do ano. A maioria tinha na base voos atrasados ou cancelados, sobretudo nas rotas domésticas.

A TAP justificou-se com a falta de capacidade do aeroporto de Lisboa, que tem estado no limite, e apontou o dedo à ANA – Aeroportos de Portugal pelas consequências que os constrangimentos têm originado no plano de expansão. Mas a gestora dos aeroportos recusou qualquer responsabilidade. «Não podemos aceitar que a TAP nos impute a responsabilidade dos atrasos e cancelamentos da sua operação», avançou a ANA, acrescentando que «as infraestruturas veem-se penalizadas pela falta de pontualidade e regularidade de quem nelas opera. Os atrasos das companhias aéreas podem ter várias causas, entre as quais, a título de exemplo, uma operação sobredimensionada relativamente à frota e tripulação disponível para realizá-la, problemas técnicos nesta frota ou, finalmente, constrangimentos no espaço aéreo».

Recentemente, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava), Fernando Henriques, fez referência ao número de cancelamentos registados no fim de semana de 23 e 24 de junho: «mais de 70».

 

Tribunal alerta para riscos

De acordo com o Tribunal de Contas, o processo de recompra da TAP foi «regular» e «eficaz», mas «não conduziu ao resultado mais eficiente» por falta de consenso político e realização de sucessivas alterações contratuais que «agravaram as responsabilidades do Estado e aumentaram a sua exposição às contingências adversas da empresa».

Depois de a Assembleia da República ter pedido uma auditoria sobre todo o negócio, as conclusões parecem não deixar margem para dúvidas. No relatório pode ler-se: «Com a recompra, o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa». O relatório expõe ainda os «riscos» inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e diz que «as projeções até 2022 são insuficientes» para aferir da sustentabilidade.

O SOL tentou entrar em contacto com a TAP para ouvir a sua versão, mas sem sucesso.