Coreia do Sul. Son joga tudo para fugir à tropa antes de Bento assumir o comando

O avançado do Tottenham, nome maior do futebol sul-coreano na atualidade, tem de vencer os Jogos da Ásia, a decorrer agora, ou a Taça Asiática em janeiro: se assim não acontecer, esperam-lhe dois anos de serviço militar

Esta quinta-feira pode constituir um marco na carreira – e na vida – de Son Heung-min, uma das estrelas do Tottenham e o nome maior do futebol da Coreia do Sul desde que Park Ji-sung decidiu arrumar as chuteiras, em 2014, depois de sete gloriosos anos no Manchester United. Joga-se o Coreia do Sul-Irão para os oitavos-de-final dos Jogos da Ásia, uma competição que diz pouco ao mundo ocidental – a prova de futebol, apesar de contar com 25 países participantes, não é reconhecida pela FIFA – mas que tem grande importância para os lados do Oriente.

E mais ainda para Son. O motivo é simples: o avançado precisa – precisa mesmo – de vencer esta competição para evitar ter de cumprir dois anos de serviço militar obrigatório no seu país. Na Coreia do Sul, todos os homens são obrigados a cumprir um mínimo de 21 meses de serviço militar antes de atingirem os 28 anos de idade… e Son fez 26 no mês passado, o que significa que terá de se alistar até 2020. Há, porém, um regime de exceção que se aplica a desportistas de eleição, designadamente os que consigam conquistar medalhas nos grandes eventos: ficam dispensados de 20 meses, embora tenham sempre de cumprir um período de quatro de semanas de recruta. Em 2002, por exemplo, todos os integrantes da comitiva que alcançou o terceiro lugar no Mundial disputado em solo sul-coreano receberam essa “amnistia” (entre os quais o já referido Park).

No caso da competição que vai decorrendo por estes dias na Indonésia, só o ouro pode valer a tal carta branca para os atletas. E é por isso que este encontro frente ao Irão é um caso claro de “ganhar ou ganhar” para Son – este e os três que se seguirão, caso se verifique realmente a passagem à próxima fase. A Coreia até tremeu para passar a fase de grupos – depois de uma goleada ao Barém (6-0) a abrir, foi derrotada pela Malásia (1-2), acabando por vencer o Quirguistão por 2-1 e apurando-se no segundo lugar do seu grupo. Os sul-coreanos, de resto, são os detentores do troféu: em 2014, bateram na final a vizinha e histórica rival do norte por 1-0, após prolongamento. Uma oportunidade de ouro que Son… deixou fugir, pois o Bayer Leverkusen, que representava na altura, decidiu não o libertar, escudando-se no facto de esta não ser uma competição sob a chancela da FIFA. A passagem aos oitavos-de-final no último Mundial, na Rússia, também valeria o “wild-card” para o jogador do Tottenham, mas os coreanos não foram além da fase de grupos, apesar da histórica vitória sobre a Alemanha, então campeã mundial, na terceira e última jornada (2-0, com Son a marcar o segundo).

 

“Velhotes” dão favoritismo À chegada à Indonésia, Son assumiu ter pensado “muito” neste torneio e compreende-se perfeitamente tal confissão. É que, caso a Coreia do Sul não consiga vencer a prova, a última oportunidade do avançado do Tottenham será a Taça da Ásia, a ter lugar em janeiro do próximo ano. Aí, Son jogará já sob o comando de Paulo Bento, oficializado como selecionador do conjunto sul-coreano no passado dia 17. “Ouvi dizer que a Coreia do Sul tem ficado em segundo e terceiro. Vou tentar ajudá-la a vencer desta vez”, referiu o antigo selecionador de Portugal após aterrar no aeroporto de Incheon.

De facto, a Coreia do Sul tem somado insucessos consecutivos na competição. Em 2015, com Son no elenco, perdeu a final para a Austrália (1-2 após prolongamento); em 2011 (também com o atual avançado dos spurs no plantel) e 2007 ficou em terceiro lugar. Os sul.coreanos, na verdade, somam apenas duas vitórias na prova e ambas logo nas duas primeiras edições, em 1956 e 1960. Não se prevêem, por isso, facilidades para os rapazes de Paulo Bento, que terão de dividir o favoritismo com Japão, Austrália, Arábia Saudita e o Irão de Carlos Queiroz – além dos anfitriões Emirados Árabes Unidos.

Essa evidência torna ainda mais premente a necessidade de conquistar desde já os Jogos Asiáticos. Até porque a Coreia do Sul tem uma vantagem significativa em relação aos restantes oponentes: utilizou a regra que permite chamar três jogadores acima dos 23 anos, ao contrário de Japão, Arábia Saudita ou Irão. Son é um deles, juntamente com Cho Hyun-woo, o guarda-redes que brilhou no último Mundial (26 anos), e o avançado Hwang Eui-jo (25).

 

Nem na equipa do exército Perante um caso tão delicado, o Tottenham foi sensível aos argumentos do jogador, até porque renovou recentemente o seu contrato por mais cinco temporadas – mais uma razão para desejar qualquer cenário que não signifique ficar sem Son na temporada 2019/20 e em mais de metade da época seguinte. Nos spurs desde 2015, o atleta – melhor marcador asiático da história da Premier League – ainda atuou na primeira jornada do campeonato, entrando aos 80 minutos da vitória por 2-1 sobre o Newcastle, tendo voado logo depois para Jakarta.

O caso específico de Son Heung-min encerra ainda outra particularidade. Ao contrário do que acontece com muitos outros futebolistas do seu país, que se juntam ao Sangju Sangmu, a equipa do exército, o avançado do Tottenham não cumpre o requisito mínimo: ter jogado pelo menos na temporada anterior na liga coreana. Significa isto que, em caso de não conseguir conquistar os Jogos Asiáticos ou a Taça da Ásia em janeiro, Son terá de deixar os spurs nesse mercado e mudar-se para um clube do seu campeonato de forma a poder depois juntar-se ao Sangju – isto, caso pretenda continuar a competir nos tais 21 meses de serviço militar.

Do sumptuoso White Harte Lane para barracas militares, que terá de dividir com 29 outros soldados, ganhando apenas 300 euros por mês e tendo de realizar tarefas que incluem patrulhas na fronteira com a Coreia do Norte: não é, de todo, o cenário mais desejado para a estrela-maior do futebol sul-coreano e um dos futebolistas em maior evidência no Tottenham nos últimos anos, na altura em que vive o melhor momento da carreira. Mas está longe de ser caso único. Ainda no ano passado, o golfista Sang Moon Bae, antigo campeão do PGA Tour e da Presidents Cup, voltou ao circuito profissional depois de cumprir dois anos como soldado de cavalaria no exército. O atleta, hoje com 32 anos, travou uma dura batalha legal para evitar cumprir o serviço militar mas perdeu o caso, vendo-se obrigado a parar a carreira de golfista profissional para servir o seu país.

O caso de Son, entretanto, espoletou já uma imensa onda de solidariedade na Coreia do Sul, com milhares de pedidos no site oficial da presidência da República para amenizar o período de serviço militar dos jogadores da seleção. “Eu posso servir no exército duas vezes se isso significar que os 50 milhões de cidadãos da Coreia do Sul vão poder desfrutar do futebol de Son”, pode ler-se num comentário daquela página. Por agora, a bola ainda está do lado do jogador.