Adam Anhang tinha a vida perfeita até se cruzar com a mulher errada. A carreira do empresário canadiano, descendente de uma família milionária de judeus, corria de feição: aos 32 anos, tinha já angariado uma fortuna avaliada em 24 milhões. Só que, em 2004, numa viagem a Porto Rico – país onde Adam planeava investir no ramo hoteleiro -, começaram a desenhar-se as páginas negras de uma tragédia irreversível. Numa noite de copos num bar de San Juan, o empresário cruzou-se com Áurea Vázquez, uma loura escultural e habitué de concursos de beleza à moda porto-riquenha. Envolveram-se rapidamente e Adam apaixonou-se de tal maneira que, pouco tempo depois, apresentava a modelo aos pais, no Canadá. Não planeava casar-se no imediato, mas Áurea anunciou que estava grávida e o casamento acabou por se fazer, depois de assinado um acordo pré-nupcial em que a rainha de beleza abdicava dos bens do marido em caso de divórcio e em que se comprometia a estudar a lei judaica e a converter-se dentro de, no máximo, dois anos.
No entanto, o casamento não duraria tanto. Um amigo próximo de Adam revelou recentemente, numa reportagem do programa 16×9 da televisão canadiana, que logo a seguir ao casamento Adam descobriu que Áurea nunca tinha estado grávida. «Arrependeu-se imediatamente de ter casado e disse-me: ‘o que fui eu fazer?’», contou. E foi assim que, nem seis meses depois, Adam pediu o divórcio, longe de imaginar que em breve estaria morto.
O crime, meticulosamente planeado, aconteceu a 23 de setembro de 2005, no centro de San Juan, pouco depois da meia-noite. Adam e Áurea tinham jantado, a pedido dela, no bar-restaurante Pink Skirt que ele lhe havia comprado como presente de casamento. O encontro servira para ultimarem os pormenores da separação. Saíram juntos e, quando passavam pela esquina das ruas La Luna e Teúan, foram atacados por um homem. Áurea sofreu ferimentos ligeiros e Adam foi esfaqueado até à morte, depois de atingido com uma pedra na cabeça. A polícia começou por suspeitar de um assalto e, pouco tempo depois, era detido Jonathan Rivera, que lavava pratos na cozinha do Pink Skirt e se dizia inocente. Só que o pai de Adam nunca acreditou na teoria da polícia porto-riquenha e as suspeitas adensaram-se quando Áurea desapareceu do nada, em 2006. Do lado das autoridades pouco havia a fazer: a viúva estava em parte incerta e, além disso, não havia provas que a ligassem ao crime.
Mas Abe Anhang contratou um detetive privado, que cobrava mil euros ao dia e que em poucas semanas localizou Áurea em Itália. A viúva tinha agora uma nova vida em Florença, recorrendo a uma identidade falsa. Sem nunca desconfiar, foi seguida de noite e de dia durante quatro anos e meio. Enquanto isso, o ex-sogro ia transmitindo as informações ao FBI, sendo certo que era preciso angariar provas para construir um caso sólido na Justiça e, ao mesmo tempo, ultrapassar um obstáculo gigante: a lei italiana, que dificulta ao máximo as extradições, sobretudo para os Estados Unidos e Porto Rico. A vida de Áurea entretanto florescia. Conheceu um taxista e engravidou.
Teve duas gémeas – o que dificultaria ainda mais a sua eventual extradição – e separou-se. Depois, aproximou-se da comunidade judaica ortodoxa de Florença, onde se apresentou como uma viúva em dificuldades, com duas filhas nos braços, depois de o marido ter morrido num acidente de carro. Em Porto Rico, a mãe e a irmã encarregaram-se de encomendar a falsificação de documentos que atestavam a ascendência judaica. A comunidade ajudou-a a montar uma agência de viagens e Áurea foi fazendo amigos poderosos, entre eles um importante banqueiro casado.
Só não contava que, numa manhã, a primeira página do jornal Corriere della Sera publicasse uma fotografia sua, acusando-a de ser procurada por ter mandado matar o marido. A polícia descobrira finalmente o homem a quem ela encomendou o crime e a quem prometeu três milhões de euros que nunca chegou a pagar: Alex Colón, conhecido por ‘El loco’. O homem confessou o crime, aceitou colaborar com a polícia e implicou no caso não só Áurea, mas também a sua irmã, o cunhado e o irmão.
Nada que tenha tirado o sono à viúva: a lei não permitia a sua extradição, sobretudo com duas filhas de nacionalidade italiana, e o amigo banqueiro aceitou pagar-lhe uma panóplia de recursos de defesa – em que Áurea clamava inocência. Só que, em 2012, a astuta viúva negra havia de cair numa armadilha preparada pelo sogro com a ajuda do FBI. Arriscou viajar até Madrid, achando que iria fechar um importante negócio para a agência de viagens. Mas à sua espera no aeroporto estava a polícia (que já a podia deter em território espanhol). Acabou presa, mas persistiu na batalha legal contra a sua extradição para ser julgada. Entretanto, engravidou na cadeia, de forma nunca concretamente apurada, o que dificultou ainda mais a intenção das autoridades.
Em 2015, o bebé foi levado para Porto Rico num jato do FBI e as autoridades espanholas e porto-riquenhas chegaram a um acordo: Espanha concordou em enviar Áurea para a ilha, para ser julgada, e Porto Rico comprometeu-se a não lhe aplicar a pena de morte. A viúva negra chegou a San Juan em setembro de 2015. Na terça-feira, sentou-se pela primeira vez no banco dos réus para começar a ser julgada por um tribunal de júri, 13 anos depois do homicídio. Entrou na sala de audiências às 10h11, cruzou o olhar com a irmã, também presa, e sorriu-lhe. Candidamente.