Não matem o mensageiro

Entre as frases célebres atribuídas a Thomas Jefferson, a minha favorita é: «Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem Governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último».  Podemos, e devemos, criticar o sensacionalismo, as notícias deturpadas, as análises encomendadas, o comércio da desinformação e da contra-informação, e…

Entre as frases célebres atribuídas a Thomas Jefferson, a minha favorita é: «Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem Governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último». 

Podemos, e devemos, criticar o sensacionalismo, as notícias deturpadas, as análises encomendadas, o comércio da desinformação e da contra-informação, e tudo o que de mais rasteiro passa pelas redações, mas é melhor ter a notícia, mesmo a má notícia, que ficar na ignorância.

Num dado mês, a revista Visão publicou extensa reportagem sobre o estado de degradação da Ponte 25 de Abril, e em dois dias o ministério garantia que tudo estava resolvido: obras orçamentadas e verbas já desbloqueadas. Um milagre! De tal sorte que Marques Mendes não poupou o remoque: «Os ministros ficam a saber que a melhor forma de desencravar um assunto do seu ministério é chamar um jornal para denunciar o ‘descalabro’, e as Finanças descativam logo as verbas». 

Algum tempo depois, uma jovem colombiana foi barbaramente agredida quando tentava entrar para um autocarro, na noite de S. João, e o tema abriu noticiários com imagens de uma cara feita num bolo, que provocaram espanto e indignação. Foi logo ordenado um cortejo de inquéritos: quem devia ter agido, e não agiu; quem não atuou porque nada lhe foi comunicado; quem teve notícia de um crime público e nada fez. Sem a notícia, não teria havido caso… nem crime!

Os exemplos escolhidos são propositadamente inócuos para não falar de coisas bem mais feias, passadas com ex-governantes e, pior ainda, com juízes que se ilibam e se favorecem uns aos outros, num jogo sujo que atira a Justiça para a mesma sarjeta onde jaz o pior da política. Felizmente, há jornais! E também há profissionais íntegros que fazem o seu trabalho sem se importarem com os rótulos que camaradas seus e comentaristas para todas estações insistem em colar-lhes, para desacreditar o seu trabalho e as verdades reveladas.

Claro que, num meio sensível como o jornalismo, nem tudo é virtude. Também há os que se deixam açaimar, e os que preferem entreter-se com tricas do futebol e afins, reduzindo a uma breve referência o que deveria ser o destaque do dia. Uns fazem-no por medo, outros por autocensura, tantas as vezes que foram a tribunal por terem cometido o crime de fazer o que era sua obrigação para com os leitores. Jornalismo é persistência para procurar a verdade e coragem para a divulgar. Quem não as tem, que mude de ramo.   

Ainda há duas semanas, centenas de jornais de todo o mundo publicaram editoriais e comentários de diversa ordem a zurzir no Sr. Trump pela perseguição que faz ao jornalismo livre. Que não lhes doam as mãos… e que nunca faltem ‘jornalistas metediços’, sem medo de investigar o que deve ser investigado, denunciar o que deve ser denunciado e, acima de tudo, incomodar quem deve ser incomodado. 

E bom seria também que as polícias e o Ministério Público seguissem o exemplo dos jornais, não cedendo a pressões ou ordens ilegítimas.