O atual secretário de Estado da Educação, João Costa, tem um cargo de presidência num dos gabinetes dos estudos da área da Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Ou seja, o governante tem funções, com poder de decisão e de revisão de estudos, na organização internacional que mais avalia as políticas e as medidas que são decididas pelo seu ministério. São pelos menos quatro os estudos de referência, onde Portugal é avaliado, que a OCDE publica na área da Educação.
Desde julho de 2017 – quando já estava em funções governativas – que João Costa assumiu o cargo de presidente do conselho de direção do Teacher and Learning International Survey (TALIS), dirigindo uma equipa de peritos de 45 países, que analisam as condições de trabalho e salários dos professores, incluindo os portugueses.
Esta semana o relatório anual da OCDE Education ata a Glance gerou forte polémica entre os professores por causa dos salários, que os docentes dizem serem valores inflacionados.
Até hoje, o cargo de João Costa na OCDE não foi comunicado nem referido em nenhum dos comunicados divulgados pela tutela. A única informação disponível está publicada na página oficial da Faculdade de Ciências Sociais Humanas da Universidade Nova, da qual João Costa foi diretor entre 2013 e 2015 até assumir funções no ministério.
Questionado pelo SOL, o gabinete do Ministério da Educação confirma que o governante continua a exercer funções na OCDE garantindo que o cargo não é remunerado e que «termina em 2020». Também a OCDE garante ao SOL que o cargo não é remunerado.
Além disso, desde 2016 que o governante é um dos peritos convidados pela OCDE para colaborar num relatório sobre o Futuro da Educação 2030 que já foi, aliás, publicado. Mas ao contrário do que sucedeu quando João Costa foi eleito para presidir os peritos do TALIS, o Executivo anunciou o convite ao governante para perito através de uma nota no portal do Governo e de um comunicado de imprensa.
O SOL falou com vários ex-ministros da Educação e em nenhum gabinete anterior um secretário de Estado em funções assumiu qualquer cargo na OCDE. Já o porta-voz da OCDE disse ao SOL não ter informação disponível sobre o assunto.
No entanto, o Ministério da Educação entende que «não há qualquer associação entre as funções desempenhadas pelo Secretário de Estado da Educação em comités e projetos da OCDE, dos quais participam outros decisores políticos com funções semelhantes e distintas».
É já longa a relação entre João Costa e a OCDE e há estudos de, pelo menos, 2012 que contam com a colaboração do atual governante, enquanto perito.
A polémica dos salários e da OCDE
O grupo de peritos dirigido pelo secretário de Estado no TALIS analisa e avalia especificamente as condições de trabalho dos professores e dos diretores das escolas, assim como a carreira e os salários, incluindo os portugueses.
Esta semana o relatório anual da OCDE Education at a Glance gerou polémica ao referir que os professores, apesar de ganharem abaixo da média dos docentes de outros países, recebem um salário médio superior em 35% face aos trabalhadores portugueses com licenciatura. O relatório diz ainda que o corpo docente está envelhecido e que está entre os que passam menos horas a dar aulas.
O mesmo relatório da OCDE, do ano passado, destacava a perda de 10% do valor real dos salários dos docentes na última década.
A OCDE garantiu ao SOL que não mudou a metodologia do estudo face ao ano passado. No entanto, os professores dizem que as conclusões da OCDE deste ano têm base em «cálculos errados» e «falsos» e que são divulgadas numa altura em que o Governo está num braço de ferro com os docentes por causa do descongelamento das carreiras e acertos salariais. A somar aos dados divulgados pela OCDE, os professores têm também contestado os números que têm vindo a ser divulgados pelos ministérios da Educação e Finanças, sobre a previsão do custo com o reconhecimento de todo o tempo de serviço congelado dos professores, que o Governo diz que ascende a 600 milhões de euros.
Por isso, a Fenprof já fez saber que vai exigir esclarecimentos à OCDE sobre os cálculos dos salários e apelou aos professores para enviarem para o email de Andreas Schleicher, um recibo do seu salário.
Críticas no PS
Também o deputado do PS Ascenso Simões disse na sua página do Facebook que leu «atentamente» e «duas vezes» o relatório da OCDE sobre remunerações e tempos letivos dos professores e a conclusão a que chegou é simples: «Nada do que lá está bate certo».
Para Ascenso Simões os cálculos da OCDE resultaram do «encontro de uma média entre as carreiras do básico e secundário com as do ensino superior», acrescentando ainda que há erros também no que diz respeito ao horário de trabalho dos docentes. O relatório «não analisa as obrigações burocráticas a que os professores estão obrigados», exemplifica o deputado socialista.
Por isso, Ascenso Simões alerta que o «debate político deve seguir por oposição de argumentos», mas que «não podem ser usados instrumentos que não são sustentáveis».
O relatório do Education at a Glance tem como base vários dados fornecidos pelos serviços do Ministério da Educação – onde está João Costa – e consulta de vários relatórios que a instituição internacional produz. Além disso, a OCDE explica que os governos validam previamente toda a informação divulgada nos relatórios.
Mas, questionado pelo SOL, o gabinete do Ministério da Educação recusa qualquer associação entre as conclusões referidas pelo Education at a Glance sobre os salários com os relatórios do TALIS, aprovados por João Costa. «O Education at a Glance recorre às estatísticas oficiais», fornecidas pelos serviços do Ministério da Educação, «enquanto o TALIS, comité presidido pelo Secretário de Estado da Educação, analisa e publica dados fornecidos diretamente pelos professores e diretores das escolas dos países participantes», defende a tutela.