Um Governo (quase) sem oposição

Um Governo à solta, quase sem oposição nem contrapesos, é a proeza alcançada por António Costa, que engendrou a ‘geringonça’, amarrando o PCP e o Bloco de Esquerda ao seu destino – beneficiário, também, da fraqueza à direita. Foi ainda ‘abençoado’ pelo inquilino do Palácio de Belém, seu antigo professor em Direito, muito sensível aos…

Um Governo à solta, quase sem oposição nem contrapesos, é a proeza alcançada por António Costa, que engendrou a ‘geringonça’, amarrando o PCP e o Bloco de Esquerda ao seu destino – beneficiário, também, da fraqueza à direita.

Foi ainda ‘abençoado’ pelo inquilino do Palácio de Belém, seu antigo professor em Direito, muito sensível aos índices de popularidade trazidos das televisões e mais talhado para distribuir afetos e selfies do que para criar embaraços ao Executivo. 

Dir-se-á, sem receio de exagero, que na história democrática recente nunca um primeiro-ministro teve a vida tão facilitada.

De Sá Carneiro a Mário Soares, de Guterres a Cavaco – para citar apenas os ‘históricos’ -, todos enfrentaram oposições que não foram meigas, forçando-os a prestar contas dos seus atos, mesmo a ‘contre-coeur’. 

António Costa goza de um estatuto invejável quando comparado com os seus antecessores, por não ter à esquerda ninguém que lhe levante a voz, nem à direita ninguém que lhe bata o pé.

Assim, nos debates quinzenais, apesar de o Governo ser minoritário, Costa já se permitiu reagir aos deputados com sobranceria, confiado na réplica frouxa, até porque as bancadas têm vindo a ficar despovoadas de alguns dos seus melhores tribunos. 

Mesmo Assunção Cristas já perdeu fôlego e alguma   combatividade, desde que Costa lhe opôs um estilo displicente, não isento de acrimónia.      

Depois, a solução de Governo conta com o beneplácito de muitas redações – onde os socialistas e a esquerda-chique plantaram simpatias -, que amenizam as suas derrapagens e não cuidam de filtrar a propaganda. 

O caso do Grupo Balsemão é paradigmático, do Expresso à SIC, e ilustra bem essa relação de proximidade. Francisco Louçã, por exemplo, o guru da esquerda neocomunista, é comentador residente na TV e colunista com largo espaço no jornal.  

Finalmente, António Costa encontrou no Presidente um ‘pronto socorro’, por feitio e temperamento, que não hesitou em protegê-lo   quando as coisas lhe correram mal, com a floresta a arder ou os paióis assaltados em Tancos.

Antes dele, nenhum primeiro-ministro foi tão afortunado. Todos coabitaram com Presidentes que mantiveram a vigilância e a ‘rédea curta’, por vezes no limite dos seus poderes constitucionais.

Recorde-se que Eanes chegou mesmo a criar o PRD, um partido de inspiração presidencialista que se revelaria efémero, mas que durou o suficiente para provocar estragos na arquitetura eleitoral, enquanto o Soares-Presidente inventou as Presidências Abertas para complicar a vida a Cavaco em S. Bento.

Em contrapartida, Costa e a ‘geringonça’ desfrutam de um quase permanente ‘estado de graça’ em Belém, ao qual muito devem.

Desde a formação do Governo, recuperando alguns dos mais  notórios e comprometidos ‘socráticos’ (saídos  das brumas, nas quais se esconderam a seguir ao colapso em 2011), até às cativações a  eito, feitas por Centeno e  agravadas pelos impostos indiretos,  Costa soube montar a ficção de ter ‘virado a página da austeridade’, sem que os seus parceiros de esquerda se afoitassem a desmenti-lo. Como lhes convinha que o odioso ficasse com Passos Coelho, calaram-se até hoje.

Coube, assim, ao ex-líder do PSD ficar com o ónus da austeridade imposta pelo memorando da troika – e assinado por Sócrates em desespero de causa -, mas que o país, então falido, já esqueceu, reincidindo nos mesmos vícios do crédito fácil. 

A corrida à compra de automóveis neste Verão, as viagens esgotadas nos principais operadores e a ‘bolha’ imobiliária ilustram bem esse novo deslumbramento.

A estratégia de salvação de Costa, derrotado nas legislativas, funcionou – com muito apoio mediático -, facilitada também pelos erros de Passos Coelho nas autárquicas, que ditariam a sua renúncia à liderança do partido.

Oxalá o desastre eleitoral do PSD em Lisboa, que começou com a escolha de uma irrelevância partidária, não tenha sido o prenúncio de um desastre nacional nas próximas legislativas. 

Se Passos não foi capaz de tirar o ‘coelho da cartola’, Rui Rio ‘arrumou as botas’ antes de entrar em campo – e contenta-se, como ‘comentador de bancada’, a culpar os companheiros de equipa por estar a perder o jogo…

Rio tem-se em muito boa conta. Mas falta-lhe o rasgo e o carisma. O álibi está à vista e a rutura de Santana Lopes deu-lhe jeito. Se tudo correr mal, a culpa foi de todos menos dele.

O maior partido parlamentar, legado por Passos Coelho, pode estar a caminho de um ‘suicídio assistido’ em próximas consultas eleitorais. 

O PSD arrisca-se a matar o sonho de Sá Carneiro – numa altura em que, ironicamente, pertence à ‘família’ o Presidente mais popular de sempre…

 

P.S. – Esta coluna estará de volta a 29, não se publicando na próxima edição.