Três autarcas entre os acusados do incêndio de Pedrógão

O despacho de acusação que resulta da investigação ao incêndio de Pedrógão está por dias. Nem todos os 18 arguidos deverão ser acusados mas o SOL sabe que pelo menos três autarcas estarão entre os acusados: os na altura presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Figueiró dos Vinhos e o então vice-presidente…

Aacusação do Ministério Público que resulta da investigação às causas e combate ao incêndio de Pedrógão Grande deverá ser conhecida muito em breve (nos próximos dias), sabe o SOL.

O despacho de acusação da Procuradoria da Comarca de Leiria ainda não está concluído mas o SOL já sabe que entre os acusados vão estar autarcas: o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera, Fernando Lopes, e o autarca ainda em exercício em Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.  

Já o presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, não será acusado. Isto porque o autarca delegou a limpeza dos terrenos e das margens das estradas noutro responsável político do município: o ex-vice-presidente José Graça, que será acusado.

Os autarcas vão responder pela falta de fiscalização e de limpeza dos terrenos junto destas localidades.

No rol de acusados estarão ainda outros funcionários das autarquias e bombeiros, como é o caso do comandante do corpo de voluntários de Pedrógão Grande, António Arnaut. 

A estes somam-se alguns comandantes da Proteção Civil, como Mário Cerol, o 2.º comandante operacional distrital de Leiria, que dirigiu as operações no terreno, ou Sérgio Gomes, que à altura dos factos era o comandante operacional distrital de Leiria e é agora adjunto no comando nacional de operações. No dia do incêndio, Sérgio Gomes estava no hospital e inicialmente dirigiu as operações por telefone.  

No total, na fase de inquérito foram constituídos 18 arguidos, todos pessoas singulares, e foram ouvidas mais de duas centenas de testemunhas. No entanto, nem todos os arguidos serão acusados. 

Em causa estão factos suscetíveis de integrarem os crimes de «homicídio por negligência e ofensas corporais por negligência». Os acusados vão responder, pelo menos, pela morte de 64 pessoas no dia do incêndio e pelas outras centenas, pelo menos 200, que ficaram feridas. 

Segundo noticiou o Expresso, ainda não é certo se os acusados vão responder pela morte da 65.ª vítima, Alzira Costa, que morreu atropelada quando fugia ao fogo, nem pela morte do bombeiro (66.ª vítima) que morreu um mês depois, por causa de uma dupla pneumonia que resultou da inalação de fumo.  

O SOL sabe ainda que do despacho de acusação não consta qualquer responsabilização a membros do Governo (ver texto ao lado) . Ou seja, nenhum governante em exercício de funções na altura do incêndio que matou 66 pessoas é suspeito de ter cometido algum ato que resultasse nalgum tipo de crime.    

A origem e as falhas no combate ao incêndio

Na acusação, o Ministério Público entende que a origem do incêndio de 17 de junho de 2017 foi uma descarga elétrica que passou pelos cabos, em Escalos Fundeiros, sabe o SOL. 

A EDP não vai ser responsabilizada, mas entre os acusados está um funcionário da empresa que na altura do incêndio assumia a responsabilidade da manutenção dos cabos, incluindo a limpeza dos terrenos que ficam nas proximidades da rede elétrica.  

Além das falhas no combate às chamas, o despacho de acusação  deverá ainda fazer várias referência à falta de limpeza dos terrenos junto das localidades e das bermas das estradas. 

Por isso, na lista de acusados deverão constar alguns funcionários da Ascendi, a concessionária das estradas a quem compete fazer a limpeza das bermas, que de acordo com a acusação «foi inexistente».

O Expresso também já noticiou que a procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Leiria, Ana Simões, entende que o fogo podia ter sido extinto ainda no ponto de ignição, em Escalos Fundeiros. No entanto, a falta de limpeza dos terrenos e as falhas no combate às chamas permitiram que o incêndio evoluísse até que ficou descontrolado. 
Além disso, a procuradora defende que deveriam ter sido alocados dois meios aéreos para combater as chamas. O que só aconteceu duas horas depois do alerta do incêndio, registada pelas 14h43 de 17 de junho, sendo que nessa altura a intensidade do incêndio já era considerada «elevada», de acordo com a fita de tempo. 

Também a estrada EN 236-1, onde morreram 47 pessoas num troço de 400 metros, deveria ter sido cortada, refere a investigação.

O capítulo proibido 

O SOL sabe que a acusação tem como grande suporte os pareceres técnicos das várias entidades envolvidas, como a GNR, a Proteção Civil, a empresa SIRESP ou a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. Também o relatório dos peritos nomeados pelo Parlamento, liderados por João Guerreiro, e o relatório pedido pelo Governo aos peritos liderados por Domingos Xavier Viegas – que analisaram as causas e o combate ao incêndio – são valorizados no despacho de acusação.

O relatório pedido a Xavier Viegas pelo Governo foi entregue a  15 de outubro de 2017. Mas logo nesse dia o Ministério da Administração Interna decidiu não divulgar o seu capítulo VI, onde é descrita a forma como as vítimas morreram ou como ficaram feridas. O argumento usado pelo Governo foi a não divulgação de dados pessoais.

A decisão provocou polémica e o Executivo pediu um parecer à Comissão da Proteção de Dados, que entendeu que apenas as famílias das vítimas deveriam ter acesso ao relatório completo. Sobre a divulgação pública, a Comissão Nacional de Proteção Dados autorizou apenas a publicação de alguns pontos do capítulo VI, desde que fossem retirados os nomes e «alguns elementos» que pudessem indentificar «indiretamente» as vítimas. Dois meses depois, o capítulo foi enviado para o Parlamento, mas praticamente sem texto, ficando oculto até hoje. 

E muitas das famílas das vítimas não tiveram acesso a este capítulo.

Com quase cem páginas, o Capítulo VI é dividido entre a descrição das circunstâncias em que morreram 65 pessoas e como ficaram feridas algumas das  200 outras vítimas do incêndio. 

Para redigir o capítulo, a equipa de peritos teve como base os relatos de familiares e amigos das vítimas – o SOL conversou com alguns (ver páginas 26 a 31) e também de dezenas de agentes de socorro.

Os peritos dizem que «não é possível estabelecer uma cronologia rigorosa dos acidentes» mas a maioria «terá ocorrido num período compreendido entre as 19h30 e as 20h30, tendo vários deles ocorrido em simultâneo», lê-se no documento.
Além disso, os peritos constataram que das 65 vítimas mortais apenas quatro perderam a vida dentro de casa. A larga maioria morreu a fugir ao fogo sendo que 31 pessoas faleceram dentro das viaturas e outras 27 próximo dos automóveis, depois de as terem abandonado por acidente ou por bloqueio no caminho que seguiam. As restantes três pessoas fugiam ao incêndio a pé.

As descrições são chocantes.