Os bancos têm vindo a recuperar os lucros. É um déja-vu?
Quando se está enfiado num buraco há por vezes uma luz ao fundo do túnel, o problema é que o túnel nunca mais acaba. A banca portuguesa está longe de se poder dizer que está livre de sair, precisava de uns 20 ou 30 anos, mas não tem esse tempo para recuperar porque vem aí uma crise antes disso. A situação é muito assustadora e, ainda por cima, os lucros que estão a conseguir é através de financiamento de atividade especulativa e de consumo. E foi isso que nos levou à crise anterior. Estamos a viver nesta ilusão que está tudo bem, que estamos a ter um sucesso estrondoso, o que é ótimo em termos políticos para quem está no poder, mas não dura sempre. É o mesmo erro da crise anterior, é espantoso, mas de facto não aprendemos. Mas se sobrevivemos à anterior, não vale a pena entrar agora em pânico. Da outra vez não foi o fim do mundo, também não vai ser na próxima. E em princípio a próxima crise não vai ser tão má como a anterior que foi a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Nem no 25 de Abril caímos tanto como entre 2008 e 2013. E a culpa não é dos governos, é da sociedade portuguesa que quer ser enganada. Se algum político disser aquilo que estou a dizer nunca mais é eleito. Os políticos não são maus, quem são maus são os eleitores que gostam de ser enganados e quem lhes vende a ilusão eles compram. E não é por desconhecimento porque não só têm acesso aos dados estatísticos como passámos por uma situação semelhante há muito pouco tempo.
E têm surgido cada vez mais alertas…
Exato. E da última vez pode-se dizer que nunca se tinha visto, agora já viram e sabem que não é mentira.
Estamos quase em vésperas de apresentação do novo Orçamento do Estado. O que espera do documento?
Vai ser um orçamento eleitoral. Vamos ter duas eleições no próximo ano e não vai ser neste, que é o último da legislatura, que o Governo vai tomar as medidas que já devia ter tomado. Não se pode exigir que faça finalmente o que tem de fazer, provavelmente vamos assistir ao contrário: vamos aumentar o défice e vamos gastar mais dinheiro.
Nos outros orçamentos carregou nos impostos indiretos…
Toda a redução do défice foi conseguida com a subida de impostos, de receitas porque a despesa subiu. Se este Governo aumentou a despesa só tem menos défice porque subiu mais a receita. O Governo anterior durante a troika reduziu a despesa e subiu a receita e, por isso, o défice foi melhorado pelos dois lados. Agora, assistiu-se a um aumento da receita sobretudo pelos impostos indiretos, porque os diretos até baixaram, foi uma promessa que Costa fez. O problema é que os impostos indiretos são os impostos que os pobres pagam porque os diretos são calibrados ao nível de rendimentos. Embora o nosso imposto seja injusto há uma certa calibragem para o rendimento, o indireto é pago quando a gente compra. E os pobres por serem pobres não têm grandes poupanças, mas consomem. O grande problema é sobrecarregar os impostos indiretos, que já é uma tradição portuguesa, pois Portugal sempre teve um grande problema de evasão fiscal. Os ricos sempre fugiram dos impostos diretos e os pobres é que pagavam porque não conseguiam fugir, por isso recorremos aos impostos indiretos que são ainda mais injustos. Esta solução não é de Esquerda e é contra a justiça social porque são os impostos que pagamos sem darmos por isso. E é também por isso que são tão agradáveis em termos políticos, porque parece que não estamos a pagar impostos.
Mas passou pelos partidos de Esquerda…
É extraordinário que os partidos de Esquerda tenham aceite a redução do défice quando eram contra isso. Eram os maiores inimigos da austeridade e este Governo fez mais austeridade do que o anterior. Mas nós temos uma Esquerda que há muito tempo abandonou a ideologia e que sobrevive e se mantém saudável, até diria mais saudável do que os nossos parceiros da Europa, porque é extraordinariamente corporativa. Todos os partidos de Esquerda, sobretudo a extrema-esquerda portuguesa está enfeudada a meia dúzia de corporações: sindicatos, setor público, pensionistas que são os seus eleitores e servem esses interesses. E até estão disponíveis a penalizar os pobres com impostos para poderem servir o aparelho estatal que é de facto a sua finalidade. Também é verdade que o aparelho estatal sempre foi de Esquerda. Os pobres não têm voz em Portugal porque são pobres e porque os partidos de Esquerda deixaram de lhes dar voz. E esse é um dos principais problemas da nossa democracia e quem diz os pobres, diz os imigrantes, ou seja, as classes desfavorecidas que não têm ninguém que fale deles porque a Esquerda que tradicionalmente falava é atualmente corporativa e está ligada aos aparelhos à volta do Estado. E a Igreja que também falava deles não tem grande voz em Portugal.
E com isso não estão a distinguir cidadãos de primeira e de segunda?
É uma velha tradição portuguesa. Portugal é muito corporativo, sempre foi e há um conjunto de setores que controlam a classe política. E esses são claramente de primeira categoria. Tem havido uma discussão em torno dos salários dos professores. A OCDE fez um estudo e revelou que estão entre os mais bem pagos da Europa, quando eles se estão a queixar que são os piores da Europa. E como toda a gente pensava isso, ficámos todos surpreendidos com este estudo. Há aqui uma série de injustiças, Portugal continua a ser o mais desigual da Europa e ninguém fala nisso. E quando se fala nisso é para dar mais para os tais outros. Fala-se muito em subir o salário mínimo, mas subir o salário mínimo vai penalizar os os mais pobres. Então porque é que defendem isso? Porque depois sobem outros salários. Os sindicatos estão a favor do aumento do salário mínimo, mas não há nenhuma pessoa do sindicato que receba o salário mínimo e quem recebe esse valor não é sindicalizado porque não tem dinheiro para pagar as quotas. Qual é a finalidade disto? Primeiro é uma maneira ótima do Governo ganhar votos sem gastar um tostão porque o Estado não paga salários mínimos, quem paga são as empresas. Só quando aumenta as pensões é que gasta muito dinheiro e é, por isso, que sobe pouco. E depois os sindicatos são a favor porque os outros salários têm de subir e alguns deles até são indexados ao salário mínimo e vai tudo por ali acima. E o que acontece realmente aos pobres, aqueles que recebem o salário mínimo? Os estudos estão feitos, as empresas mais fracas vão abaixo porque não conseguem pagar isso e essas pessoas vão para o desemprego. Isso é que assusta, é uma lógica que alegadamente é a favor dos pobres, mas que afeta os mais fracos de forma negativa. É uma ilusão muito bem montada e depois dizem-me que eu é que sou inimigo dos pobres porque não quero que se suba o salário mínimo.
E o aumento para os 600 euros não resolve a situação de quem está mais débil…
É completamente irresponsável e a questão dos 600 euros é só porque é um número bonito. Então porque não se sobe para mil euros? É uma discussão completamente irresponsável, ninguém vê os estudos. Eu não sou especialista, aliás, o maior especialista em mercado de trabalho é o ministro das Finanças que fez vários estudos sobre a área laboral. Há vários estudos que falam sobre isso, não estou a inventar nada. E esses estudos dizem que são os mais fracos, as mulheres, os idosos e os jovens que perdem o emprego quando se sobe o salário mínimo. Há impactos negativos e as pessoas propõem essa coisa em nome dos pobres e depois estragam a sua vida.