Vítimas de Pedrógão vêem acusação como ‘corajosa’

Pouco mais de um ano depois do início da investigação, o MP acusou esta semana 12 arguidos pela morte de 64 pessoas e de ferimentos em outras 44 durante o incêndio de Pedrógão Grande.

«É mais do que uma acusação». A frase é repetida várias vezes pelas vítimas do incêndio de Pedrógão Grande que tecem elogios ao documento do Ministério Público que acusou 12 arguidos pela morte de 64 pessoas e pelas lesões de mais outras quatro dezenas de vítimas.

Segundo o comunicado da Associação de Vítimas de Pedrógão Grande (AVIPG) enviado ontem para as redações, para os sobreviventes e familiares do incêndio mais mortífero que lavrou vários conselhos da zona, o despacho de acusação, assinado pela procuradora Ana Simões, é a «resposta cabal ao interesse público» que a tragédia exigia.

Mas não ficam por aqui e salientam a forma «corajosa» como a acusação «inédita» foi redigida: «É um documento pedagógico para responsáveis políticos, dirigentes e funcionários, gestores da coisa pública e sociedade em geral».

Além disso, a AVIPG destaca a construção jurídica que «de maneira esmagadora na sua clareza e descrição» não pouparam «detalhes nas circunstâncias das mortes e dos feridos». As vítimas esperam, por isso, que esta acusação seja um documento para «memória futura numa sociedade conhecida por ter pouca memória». 

Esta é a primeira reação da AVIPG a decisão do Ministério Público num momento que diz ser «particularmente difícil e doloroso» para os familiares das vítimas.

Falta da responsabilização política

Mas, nem tudo são elogios. O comunicado dos familiares das vítimas não deixa de salientar que apesar de o Ministério Público ter ousado ver a «total incompetência dos agentes de proteção civil» e dos «responsáveis pela gestão e fiscalização da manutenção das servidões administrativas das redes viárias e linhas elétricas», os procuradores não fizeram qualquer referência à responsabilidade política. O documento lembra ainda a «profunda mudança nos comandos distritais da Autoridade Nacional da Proteção Civil em vésperas de época de incêndios» e frisa a falta de uma «análise cuidada» às competências profissionais da nova equipa de comandantes da Proteção Civil.

Por isso, «caberá à sociedade portuguesa avaliar de futuro as responsabilidades políticas por tais condutas» frisando que a acusação «não é o fim de um caminho, mas o princípio em busca de uma justiça possível».

O despacho de acusação 

O Ministério Público acusou esta quinta-feira 12 arguidos por 697 crimes que terão ocorrido durante o incêndio de Pedrógão Grande. Entre os acusados estão três autarcas, três funcionários da Ascendo Pinhal Interior, outros dois funcionários da EDP, dois comandantes distritais de Leiria da Proteção Civil e o comandante dos bombeiros voluntários de Pedrógão Grande. 

Entre todos os acusados, o MP teve mão mais pesada para os comandantes da Proteção Civil, para o comandante dos bombeiros, – imputando-lhes de um maior número de crimes – não poupando críticas às decisões tomadas durante o combate ao incêndio. O documento dos procuradores – a que o SOL teve acesso – diz mesmo que o incêndio podia ter sido travado nos minutos iniciais caso fossem acionados mais meios terrestres e um segundo helicóptero. 

Sérgio Gomes, que era na altura o comandante distrital de Leiria da Proteção Civil, é um dos principais alvos da chuva de duras críticas do Ministério Público. Também o 2.º comandante distrital de Leiria, Mário Cerol, foi alvo de duros reparos do MP. Mário Cerol foi quem tomou as rédeas do combate ao incêndio no terreno enquanto recebia indicações por telefone do seu superior, Sérgio Gomes, que se encontrava no Hospital de Torres Vedras a acompanhar um dos seus filhos, que tinha sido submetido a uma intervenção cirúrgica de rotina a um braço.

Além dos comandantes da Proteção Civil, também o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, tomou decisões que merecem fortes críticas do MP.

No total, os dois comandantes da Proteção Civil e o bombeiro são acusados, cada um, de 63 crimes de homicídio por negligência e de 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, dos quais 14 são graves.

O mesmo número de crimes é imputado aos dois funcionários da EDP, com cargos de subdireção. O MP responsabiliza os dois altos quadros da EDP pela falta de manutenção dos cabos elétricos e pela falta da limpeza dos terrenos que ficam por baixo das linhas de média tensão. No despacho de acusação, lê-se que o incêndio «foi desencadeado por uma descarga elétrica» que atingiu «um conjunto de carvalhos, arbustos, fetos e silvas» que havia nos terrenos.

Estão ainda acusados três funcionários da Ascendi Pinhal Interior e três autarcas. Em causa estão o atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera, Fernando Lopes, e o ex-vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande, José Graça.

Pena prevista

O MP quer responsabilizar os acusados por homicídio por negligência e crimes por ofensa à integridade física, sendo em alguns casos ofensa à integridade física grave. Para estes ilícitos o Código do Processo Penal prevê uma pena de três anos de prisão para cada um dos crimes de homicídio por negligência. Já para o crime ofensa à integridade física por negligência a pena de prisão prevista é até um ano que pode ser substituído por pena de multa até 240 dias. Sendo que nos casos de ofensa à integridade física grave, a pena de prisão sobe para dois a dez anos.

O Ministério Público não inclui nos crimes duas vítimas mortais: Alzira Costa, que morreu atropelada a fugir ao incêndio, e o bombeiro José Tomás, que morreu um mês depois, por problemas respiratórios.