Associação criminosa, falsificação de documentos, tráfico de influências, branqueamento de capitais, peculato e burla. Esta é a lista de acusações que levaram José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, à prisão na última segunda-feira. Incrédulos, os angolanos foram até à porta da prisão de S. Paulo, onde Luaty Beirão esteve em greve de fome há dois anos, ver com os próprios olhos se o filho do ex-Presidente angolano estava mesmo preso. Confirmaram.
Sexta-feira, soube-se que também Ismael Diogo, presidente da Fundação Eduardo dos Santos, foi detido e transferido para a mesma prisão de S. Paulo, depois de se ter recusado a comparecer nos serviços de investigação criminal. Em causa está a apropriação indevida de 20 milhões de dólares provenientes dos cofres do Conselho Nacional de Carregadores, gerido por Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, que também está a braços com a Justiça angolana. Este é o mais recente caso a abalar no clã dos Santos.
A detenção de um dos filhos do antigo homem forte de Angola apanhou os angolanos de surpresa. Mas porquê? Porque nunca esperaram que a história seguisse este caminho? Para se perceber, o melhor será recuar no tempo, 40 anos mais especificamente, até ao dia em que Filomeno dos Santos, mais conhecido como Zenú, nasceu. A partir daqui, o mundo podia ser dele. É o filho varão de Eduardo dos Santos, já que antes dele, só há Isabel dos Santos, e esta sempre fez questão de ficar fora dos assuntos políticos.
Em 2012, com 35 anos, Zenú foi indicado pelo pai, na altura chefe de Estado de Angola, para administrar e depois presidir ao Fundo Soberano de Angola, constituído por cinco mil milhões de dólares que vinham das receitas do petróleo, e com o objetivo de promover o crescimento do país, assim como o seu desenvolvimento socioeconómico. Foi exactamente o Fundo Soberano, do qual era presidente, que levou Zenú à prisão no dia 24 de Setembro, acusado pela Procuradoria-Geral da República angolana no âmbito do processo em que é suspeito de corrupção e associação criminosa.
Além de José Filomeno dos Santos, neste mesmo processo, Jean-Claude Bastos de Morais, o amigo e braço direito de Zenú no Fundo Soberano de Angola, também está agora em prisão preventiva. As acusações são as mesmas que impendem sobre Filomeno dos Santos.
Zenú foi presidente do Fundo Soberano até janeiro deste ano, altura em que foi exonerado pelo Presidente João Lourenço.
Em março, o filho de José Eduardo dos Santos já tinha sido impedido de sair do país. A 29 de Agosto foi acusado no processo que ficou conhecido como ‘caso 500 milhões’, por alegadamente ter burlado o Estado angolano em 500 milhões de dólares, um processo que envolve também o ex-governador do Banco Nacional de Angola, garantias bancárias forjadas e banqueiros fictícios.
Mas a história não termina aqui. Jean-Claude Bastos de Morais foi condenado em 2011, na Suiça, por pagamentos ilegais feitos através de uma empresa sua.
Depois, o fundo foi acusado de ter gasto milhões de dólares na contratação de empresas fictícias geridas pelo amigo de Filomeno dos Santos e que essas alegadas empresas-fantasma tinham como sede o banco Kwanza Invest, do qual Jean-Claude Bastos de Morais era sócio maioritário, com 85%.
O amigo do filho de José Eduardo dos Santos é também o dono da empresa que geria a grande fatia dos activos do fundo soberano, a Quantum Global.
O que mudou no combate à corrupção em Angola?
Depois de 38 anos do Governo de José Eduardo dos Santos, eis que chega João Lourenço, atual Presidente de Angola, eleito a 23 de agosto de 2017. Associar João Lourenço, um general na reserva de 64 anos, e exoneração é inevitável, até porque desde 1979 que nunca se tinha visto tantas exonerações. Só no primeiro ano de mandato, João Lourenço exonerou 230 governantes, administradores de empresas públicas e altas chefias militares. E assim ganhou a alcunha de ‘exonerador implacável’.
Desde a campanha eleitoral que o atual Presidente angolano não se poupou nas palavras e prometeu lutar «contra a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade».
E a verdade é que passou mesmo aos atos.
A par das exonerações, João Lourenço conseguiu afastar do poder praticamente todos os que tinham sido nomeados por José Eduardo dos Santos. A família dos Santos não ficou fora do baralho: primeiro, a filha mais velha do ex-chefe de Estado angolano, Isabel dos Santos, viu a liderança da petrolífera estatal Sonangol ser-lhe retirada; depois, foi a vez de Welwitshea ‘Tchizé’, deputada e membro do comité central do MPLA, e de José Paulino dos Santos, empresário e também cantor, serem exonerados; em janeiro, chegou a hora de Zenú, apontado outrora como potencial sucessor do pai, ser demitido devido à sua gestão de activos públicos de cinco mil milhões de dólares.
João Lourenço está na ribalta, internacional e nacional, mas apesar de todos os sinais ainda há angolanos que se interrogam: estará o Presidente a substituir uma elite por outra ou a situação política e económica de Angola está mesmo a mudar?