Ainda não pairavam no ar as suspeitas, conhecidas quarta-feira, de que o ministro da Defesa terá estado a par, desde o início, da encenação da descoberta das armas de Tancos e as altas hierarquias das Forças Armadas já estavam enfurecidacom Azeredo Lopes. O copo transbordou no início desta semana, quando o Ministério da Defesa anunciou a escolha do comandante Paulo Isabel para liderar a Polícia Judiciária Militar (PJM), depois de o anterior diretor, Luís Vieira, ter sido detido.
Na segunda-feira, no comunicado em que revelou a escolha, o ministro da Defesa – quem tem a responsabilidade de nomear o líder da PJM – não se limitou a divulgar o nome. Para surpresa das tropas, Azeredo Lopes anunciou também que a escolha teria sido feita «mediante proposta do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA)». Acontece que o almirante Silva Ribeiro, que é o principal conselheiro do ministro, deu de facto aval positivo ao nome de Paulo Isabel, depois de Azeredo Lopes lhe ter pedido opinião sobre os nomes postos em cima da mesa pelos vários ramos das Forças Armadas. Ainda assim, e de acordo com a lei, é ao ministro que cabe a nomeação. E, por isso, as altas patentes ficaram «incrédulas» quando perceberam que o ministro tentou responsabilizar o CEMGFA por «uma escolha que, em última instância, é só sua». O próprio Silva Ribeiro, apurou o SOL junto de várias fontes, não terá gostado dos termos do comunicado, tendo sido apanhado «de surpresa» pela sua redação. Apesar disso, o gabinete do almirante recusou-se a comentar o caso, limitando-se a recordar que o CEMGFA foi «ouvido como principal conselheiro militar» do ministro.
Se os militares no ativo preferem não dar a cara, ainda que o descontentamento nas Forças Armadas seja cada vez maior, muitos dos que estão na reserva já não escondem que preferem ver Azeredo pelas costas. «A desresponsabilização em relação à nomeação foi feita de forma enviesada, ignóbil, traiçoeira e trapaceira, passando responsabilidades objetivas, o ato de propor, para quem as não tem», atira o general das Forças Armadas Carlos Chaves, que acrescenta: «Ao demitir-se em público da sua responsabilidade objetiva, [o ministro] deu o último passo na sua total incompetência, desresponsabilização e malabarismo. Resta agora a quem de direito, o Primeiro-Ministro e o Presidente da República, agirem rapidamente e demitirem-no».
Azeredo acusado de saber de tudo
A indignação subiu mais ainda de tom com as notícias de ontem, que deram conta de que o ministro da Defesa estaria a par, desde o final do ano passado, da encenação montada pela GNR de Loulé e pela PJM para a recuperação das armas roubadas de Tancos. A revelação partiu do major Vasco Brazão, investigador da Polícia Judiciária Militar e um dos detidos acusados da encenação. O major terá contado ao juiz de instrução que entregou, pessoalmente, um memorando ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes contendo a explicação de toda a operação de recuperação do material. Brazão garantiu ainda que o ex-diretor da PJM, Luís Vieira, sabe que o ministro foi informado e acrescentou que, aquando da entrega do documento, o chefe de gabinete do ministro contactou Azeredo Lopes, por telefone e à frente dos dois, para o informar da entrega do papel.
«Queria dizer categoricamente que é totalmente falso que eu tenha tido conhecimento de qualquer encobrimento», reagiu ontem o Ministro da Defesa. Antes, já tinha admitido que o caso de Tancos causa «embaraço», mas garantiu que não se demitiria. E o primeiro-ministro fez saber que mantinha a confiança no governante. António Costa reuniu-se com o Presidente da República – que manteve as devidas reservas e distâncias sobre o caso, mas que exige respostas. Publicamente, Marcelo Rebelo de Sousa fez depender a sua posição e avaliação sobre o caso do encerramento do processo criminal ainda em curso. Nada mais quis dizer. «Não vou dizer mais nada. Sou parco em palavras», explicou aos jornalistas, em Loures, antes do encontro semanal com António Costa. O Presidente da República não quis ir mais longe, muito menos explicitar se mantém a confiança política em Azeredo Lopes, voltando a pedir o apuramento da verdade. «Vamos aguardar a conclusão deste processo, desta instrução criminal em curso, e, em função dos factos apurados e das responsabilidades eventualmente suscitadas, depois será possível formular um juízo preciso, concreto e específico acerca da matéria», limitou-se a dizer.
Ministro teria de ter informado PM
Na verdade, qualquer palavra a mais de Marcelo só teria uma de duas consequências: dar cobertura ao ministro ou tirar-lhe o tapete, com a consequente demissão. O facto de nada ter dito sobre a confiança no ministro adensa a pressão sobre Azeredo Lopes, obrigado a falar ontem duas vezes, a partir de Bruxelas, sempre num registo justificativo.
A ordem no Governo, mas também entre as chefias militares, foi a do silêncio e Rovisco Duarte, Chefe do Estado-Maior do Exército, não quis pronunciar-se sobre o assunto que atingiu e desgastou aquele ramo das Forças Armadas.
A classe política foi apanhada de surpresa, com o BE a pedir esclarecimentos do ministro da Defesa no Parlamento. No PSD as reações foram difusas, com o líder parlamentar, Fernando Negrão, a defender que não teria informação suficiente para se pronunciar. Afinal, aguardava que o presidente do partido falasse ao final do dia, nxa RTP, antes de uma entrevista, para sustentar que o ministro deve sair do cargo se ficar provado que sabia da encenação da recuperação de armas, um processo com nove arguidos constituídos. «A não ser que seja tudo redondamente mentira e provado que é redondamente mentira, não vejo como é que, nestas condições, um primeiro-ministro pode manter o ministro em funções», declarou Rui Rio, remetendo a decisão para o primeiro-ministro, António Costa.
O PS saiu em defesa do ministro, salientando que, se Azeredo tivesse sido informado, obviamente teria comunicado imediatamente ao primeiro-ministro e este ao Presidente da República.